Entre as liberdades do humor e a força que só uma boa sátira possui, o filme Saneamento Básico se destaca ciclicamente ao longo dos anos. Agora, 18 anos após seu lançamento, o longa retorna em versão 4K, acompanhado do curta Ilha das Flores — ambos dirigidos por Jorge Furtado. 6q4j46
Essa ação, promovida pela Sessão Vitrine Petrobras, proporciona aos jornalistas uma experiência igualmente recorrente: a oportunidade de revisitar obras marcantes e conversar com os artistas por trás delas. Foi nesse contexto que a Rolling Stone Brasil entrevistou Furtado e a atriz Camila Pitanga.
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O cinema costuma ser associado ao encanto — basta pensar nos atores de Hollywood que viram ídolos intocáveis ou nos inúmeros filmes que retratam o "fazer cinema" de forma lúdica e inspiradora.
O interessante é que Jorge, durante a nossa conversa, utilizou uma cena de Saneamento Básico para desmistificar esse glamour e ressaltar as questões burocráticas enfrentadas na produção cinematográfica brasileira - E, muitas vezes, de pouco orçamento.
"Eu tô sacaneando [ no filme] com a gente que faz cinema.'Vai rasgar o vestido? Quantos têm? Quanto custa? Pô, vai rasgar ele? Eu comprei o vestido para rasgar, gente? Mas eu pagaria quanto de tijolo com o valor desse vestido?", diz
A crítica à burocracia não para por aí — Jorge relembra um episódio envolvendo um edital público, no qual uma das exigências dizia que o filme precisava ter exatamente 100 minutos: nem mais, nem menos.
"Gente, eu não posso entregar o filme com 105? Eu tô dando 5 de presente para vocês. Não, não, não, tem que ter no máximo 100. Tem umas loucuras assim que a burocracia estatal, às vezes se envolve.", comenta.
A partir daí, ele amplia o olhar e reflete sobre o cotidiano de quem trabalha com cinema no Brasil. A sátira de Saneamento Básico funciona justamente por rir de dentro do próprio sistema:
"São coisas que a gente a na nossa vida de artista. Então, a gente tem que sacanear a si. Quando voce se sacaneia, abre para o mundo, aí todo mundo se identifica, acha graça, enfim."
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A visão de Camila Pitanga acompanha a de Jorge: mesmo com um currículo repleto de sucessos, ela encara cada novo projeto como um recomeço. Quando perguntei sobre as mudanças entre a atriz de antes e a de agora, a resposta foi direta: "Você faz uma coisa assim que dá super certo, não importa, na próxima tá começando tudo de novo. Não interessa que é".
Filha de artistas, Pitanga vê a carreira como uma gangorra. Já ou por novelas, teatro, cinema e, recentemente, ganhou destaque na internet com sua personagem Lola, da novela Beleza Fatal - interessante notar que a internet não vibrou apenas com Silene Seagal.
À medida na qual a mídia muda, o trabalho muda também, desafiando os atores a se reinventarem. Como ela mesma aponta: "Não é uma linha evolutiva de sucessos, é um tipo de carpintaria, de relação" .
Em Saneamento Básico, Camila se viu diante de um texto exagerado — uma faca de dois gumes. Poderia dar muito certo, ou muito errado. Principalmente porque, diferente das novelas, ali "o que você fez está impresso", sem espaço para adaptação que vem com reação do público:
"Eu confesso para você que quando eu ia dublar algumas imagens, algumas coisas, eu não estava vendo tudo, estava vendo uma partezinha de uma cena. E eu voltava para casa assim, apavorada. Eu voltava super insegura", diz
Seja na cadeira de diretor ou diante das câmeras, Jorge Furtado e Camila Pitanga revelam uma visão realista — e apaixonada — sobre o fazer cinema no Brasil. Ambos tratam a arte como algo cíclico, instável e muitas vezes contraditório. Entre burocracias, recomeços e a eterna reinvenção, o humor e a crítica social se tornam ferramentas de resistência. No fim, o que permanece é o desejo de continuar criando — mesmo com o peso do sistema, e talvez justamente por causa dele.
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