Os 32 filmes de Martin Scorsese, do pior ao melhor, segundo Rolling Stone 5x371w

De O Rei da Comédia a Assassinos da Lua das Flores — analisamos a carreira do maior cineasta vivo, do pior ao melhor projeto 1p2f

2 jun 2025 - 11h36
(atualizado em 3/6/2025 às 16h12)
Todos os filmes de Martin Scorsese, classificados do pior ao melhor, segundo a Rolling Stone
Todos os filmes de Martin Scorsese, classificados do pior ao melhor, segundo a Rolling Stone
Foto: Reprodução / Rolling Stone Brasil

Quando o filme Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese, estreou nos cinemas se fez quase exatos 50 anos desde que Caminhos Perigosos — o filme que marcou sua estreia de verdade — foi lançado em sua cidade natal, Nova York, anunciando a chegada de um grande novo talento. ej59

Naquela época, ele fazia parte de uma geração de jovens obcecados por cinema que queria virar Hollywood do avesso e reinventar os gêneros para uma nova era. Cinco décadas depois, Scorsese é amplamente considerado o maior cineasta americano em atividade — e também o guardião da ideia de cinema como forma de arte.

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Ao lado de seus colaboradores fiéis, ele nos presenteou com histórias de gangsteres falastrões, solitários voláteis, religiosos atormentados, reis da comédia, mães solo empoderadas, perdedores do centro da cidade, vencedores de Wall Street e um messias profundamente humano. A maioria desses filmes faz parte do cânone informal de "Filmes que Você Precisa Ver Antes de Morrer". Muitos são icônicos. Nenhum deles é um filme de super-herói — exceto se você considere A Última Tentação de Cristo. Alguns são, sem dúvida, obras-primas absolutas e inegociáveis.

Classificar os filmes de Martin Scorsese do pior ao melhor exige usar aspas em volta da palavra "pior" — o histórico dele em termos de qualidade é surpreendentemente alto, mesmo que ele mesmo provavelmente dirá que seus filmes raramente foram sucessos de bilheteria. Suas obras supostamente "menores" muitas vezes são mais interessantes, provocativas e vibrantes do que os maiores feitos de muitos de seus colegas e discípulos. A verdade é que alguns filmes de Scorsese são simplesmente melhores do que outros.

Então, após inúmeras discussões e de quase trocarmos alguns socos à la LaMotta, chegamos à nossa lista com a filmografia completa de Scorsese, do "apenas bom" ao melhor de todos. (Bom, quase completa — agrupamos alguns curtas e vários documentários.) Sabemos que haverá discordâncias, e para isso só temos uma coisa a dizer: Você tá discutindo com a gente? Não vejo mais ninguém aqui. Então só pode estar discutindo com a gente.

32) Ilha do Medo(2010) 3v1r18

" O que seria pior: viver como um monstro ou morrer como um homem bom?"

É uma história clássica de noir envolvendo um detetive — ou, neste caso, um Marechal dos EUA chamado Teddy Daniels — e seu parceiro, investigando um desaparecimento misterioso que rapidamente coloca nosso "cavaleiro branco" em águas muito mais profundas do que pode ar.

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Adicione à equação um hospital psiquiátrico, algumas noites escuras e tempestuosas, e o fato de que o detetive é um veterano da Segunda Guerra Mundial com cicatrizes psíquicas profundas, e dá pra entender por que Scorsese se interessou em adaptar o romance de Dennis Lehane.

É, mais ou menos, uma licença para esse vitalício do TCM (Turner Classic Movies) se entregar ao amor por filmes B, terrores da RKO, Shock Corridor de Sam Fuller e várias outras referências da ficção pulp. Sem falar que traz um papel principal suculento para Leonardo DiCaprio, que já havia se tornado o ator favorito de Scorsese.

Então por que esse filme parece pouco mais do que um episódio estendido de Além da Imaginação? Não é como se o cineasta ou seu elenco de peso (Mark Ruffalo, Michelle Williams, Sir Ben Kingsley, Max Von Sydow, Emily Mortimer, Patricia Clarkson) estivessem atuando no automático — eles só estão presos em uma trama que tropeça constantemente nas próprias reviravoltas. Dá pra argumentar que rever o filme faz com que as revelações ganhem mais peso… mas isso exigiria ar novamente por um monte de psicologuês e encenação noir forçada, o que… vamos deixar pra lá, obrigado.

31) Vivendo no Limite (1999) 16411o

Vivendo no Limite (1990) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil
"Esses espíritos faziam parte do trabalho... era impossível ar por um prédio que não guardasse o fantasma de alguma coisa."

Scorsese e seu velho amigo Paul Schrader retornam a um território familiar — ou seja, o "homem solitário de Deus" vagando pelas ruas perigosas de uma Nova York noturna — com essa história ofegante sobre um paramédico do turno da madrugada (Nicolas Cage) atormentado por cada alma perdida que não consegue salvar.

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Ele acredita que a salvação talvez tenha aparecido na forma de uma mulher (Patricia Arquette), filha de um paciente que luta pela vida. É como um irmão gêmeo franzino de Taxi Driver, só que impulsionado pela mesma energia insana e pela descarga de adrenalina de um colapso nervoso em andamento que seu protagonista experimenta — e sem a catarse ou coesão da visão anterior de Scorsese sobre a cidade como paraíso e inferno ao mesmo tempo.

A parceria entre o diretor e Cage não é tão satisfatória quanto se poderia esperar, embora o ator consiga se conter num papel que poderia facilmente dar margem a um exagero cênico. Ponto extra para Scorsese se escalando como a voz de Deus — ou seja, um operador de ambulância com um senso de humor divinamente doentio.

30) Quem Bate à Minha Porta? (1967) 3fr29

Quem Bate à Minha Porta? (1967) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil
"Todo mundo deveria gostar de faroestes — resolveria todos os problemas se gostassem de faroestes!"

É tentador pensar que Scorsese surgiu do nada com Caminhos Perigosos e imediatamente se firmou como alguém capaz de misturar anseio espiritual, esperteza de rua e trilhas sonoras pop com naturalidade. Mas ele já tinha alguns filmes no currículo antes desse drama que o lançou, e este longa de estreia — desenvolvido a partir de seu projeto de tese de mestrado na NYU — é um bom lembrete de que até o maior cineasta vivo precisou de um tempo para encontrar sua voz.

Não que falte "Scorsesezice" nessa história de um jovem ítalo-americano chamado J.R. (interpretado por um Harvey Keitel novinho) lidando com sentimentos conflitantes sobre as mulheres; ele até soa como o próprio diretor quando questiona sua futura namorada sobre o filme Rastros de Ódio.

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A mistura de elementos semi-autobiográficos, influências da Nouvelle Vague sa e o que parece ser improviso entre Keitel e seus amigos dá ao filme uma vibe bem estudantil — tanto no melhor quanto no pior sentido. Scorsese ainda precisou incluir cenas de sexo filmadas em Amsterdã (!) para garantir que o longa fosse lançado.

A posição baixa no ranking se deve, em grande parte, ao fato de ser um trabalho cru, bruto e mais uma curiosidade para completistas do que outra coisa. Mas, se você quiser ver um artista tateando os temas que marcariam toda a sua carreira, aqui está o ponto zero de Scorsese.

29) Sexy e Marginal (1972) 4u6k40

Sexy e Marginal (1972) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

Na tentativa de capitalizar o sucesso de filmes de gângster ambientados nos anos 1930 que vieram após Bonnie and Clyde, o produtor e patrono da Nova Hollywood Roger Corman contratou Scorsese para dirigir esta história sobre uma mulher pobre do sul dos EUA (Barbara Hershey) que viaja clandestinamente de trem, se envolve com um agitador sindicalista (David Carradine) e entra para um grupo que rouba dos ricos.

O resultado é, essencialmente, uma produção típica da American International Pictures da época, feita sob medida para o circuito de drive-ins e cinemas de subúrbio. Mas, como muitos jovens cineastas apadrinhados pelo "Rei dos Filmes B", Scorsese usou a oportunidade para lapidar sua técnica. É possível ver vários toques sutis e elegantes de um verdadeiro cinéfilo — do uso de técnicas do cinema mudo (repare nos closes explicativos!) até os créditos retrô que evocam os dramas sociais da Warner Bros dos anos 1930.

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A lenda diz que, após assistir a uma cópia preliminar, o cineasta John Cassavetes disse a Scorsese: "Você acabou de ar um ano da sua vida fazendo uma porcaria. Você não tem algo pessoal que queira fazer?" Ele o incentivou a trabalhar numa história mais íntima sobre dois caras do bairro. Scorsese a chamou de Season of the Witch. O título logo seria mudado para Caminhos Perigosos (Mean Streets).

28) Gangues de Nova York (2002) 3d5e2l

"Cada um dos Cinco Pontos é um dedo... e quando fecho a mão, vira um punho."

Adaptar o livro de Herbert Asbury sobre as guerras de gangues na Nova York do final do século XIX se tornou uma espécie de obsessão para Scorsese — ele perseguiu esse projeto por décadas até que a Disney e a Miramax aceitaram bancar o que prometia ser uma mistura épica de violência, história e romance.

O resultado acabou se transformando num atoleiro tanto para o diretor quanto para seus financiadores, com problemas de orçamento, brigas nos bastidores e um típico caso de "muitos cozinheiros estragando a sopa". Este foi o primeiro filme de Scorsese com Leonardo DiCaprio, que interpreta Amsterdam Vallon, um irlandês-americano de primeira geração e filho vingativo do líder dos Dead Rabbits, Priest Vallon (Liam Neeson); mas a sintonia ator-diretor só viria a amadurecer realmente em projetos seguintes.

E embora Cameron Diaz seja uma atriz talentosa, ela parece totalmente deslocada no papel da ladra Jenny Everdeane, par romântico de Amsterdam. Ainda assim, há muito o que irar aqui: da cena de batalha inicial até a interpretação de Daniel Day-Lewis como o líder nativista Bill "The Butcher" (o discurso sobre perder um olho é realmente memorável), sem contar os temas de manipulação política, agitação social e nacionalismo disfarçado de patriotismo — que só se tornaram mais relevantes com o tempo. Mas até o próprio Scorsese considera este um trabalho inacabado.

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27) O Lobo de Wall Street (2013) 43y25

"Já fui rico e já fui pobre — e escolho ser rico toda maldita vez."

Neste filme, Scorsese aplica a fórmula de Os Bons Companheiros e Cassino — ascensão e queda — à história de Jordan Belfort (Leonardo DiCaprio, claro), o rei das ações de baixo valor e símbolo do "sonho americano" deturpado na Wall Street dos anos 80, até cair em desgraça e ser pego pelo FBI.

Olha, qualquer filme que tenha Matthew McConaughey em modo uivo lunar (essa cena por si só vale a fase McConaissance), Jonah Hill de jeans de mãe implorando pra "fumar crack comigo, irmão" e Margot Robbie dominando e subvertendo o arquétipo de loira fatal pré-Barbie já começa bem. Mas essa fábula sobre como o excesso reina nos EUA não tem a mesma coesão das outras crônicas criminosas de Scorsese, e o que sobra é menos um filme e mais uma série de cenas repletas de sexo, drogas e deboche no volume máximo.

Há mérito em mostrar como o Sonho Americano se corrompeu (como adjetivo ou verbo, você escolhe), e DiCaprio se entrega de corpo e alma ao papel de um homem sem bússola moral. Mas o resultado final tem gosto de talento girando em falso.

26) O Aviador (2004) 5b5u6k

"O futuro... o futuro... o futuro..."

De Michael Mann a Spielberg, ando por Warren Beatty e até Christopher Nolan — todo mundo tentou fazer um filme sobre Howard Hughes, o pioneiro da aviação, produtor de cinema e bilionário recluso. Mas foi Scorsese quem finalmente levou esse titã escorregadio do século XX às telas.

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Leonardo DiCaprio já estava escalado como Hughes quando o projeto chegou às mãos do diretor — o trem já estava andando, o que talvez explique por que o filme pareça um pouco apressado em alguns trechos. A história cobre um bom pedaço da vida de Hughes — de suas ideias "visionárias" na aviação e aventuras cinematográficas nas décadas de 1920 e 1930, até suas batalhas com TOC e paranoia extrema nos anos 1940, incluindo aspectos pessoais e profissionais nada lisonjeiros.

Ainda assim, o filme nunca parece mergulhar de fato no que fazia esse personagem público tão enigmático funcionar. O grande legado do filme talvez seja o acerto de escalação de Cate Blanchett como Katharine Hepburn, que namorou Hughes por um tempo — assista novamente à cena deles juntos e você entenderá por que a Academia não demorou pra gravar o nome dela no Oscar. Vale a pena só pra ouvi-la dizer: "Você é surdo e eu suo — não somos um belo par de desajustados?"

25) The Rolling Stones Shine a Light (2008) 48z39

The Rolling Stones Shine a Light (2008) - Reproduçao
Foto: Rolling Stone Brasil
"Eu não penso no palco. Eu sinto."

Quando Scorsese e Mick Jagger conversavam sobre um projeto conjunto sobre o mundo da música — que acabaria virando a série Vinyl, da HBO —, o diretor aproveitava para assistir a shows dos Rolling Stones sempre que estavam na mesma cidade. Preciso registrar o que acontece nesse palco em filme, pensou.

Então, quando a banda marcou duas noites de show beneficente no Beacon Theatre de Nova York para a Fundação Clinton, Scorsese chamou 15 cinegrafistas e montou sua operação. O que vemos é os Stones fazendo seu show de arena num teatro intimista — o que, infelizmente, acaba sendo só isso. Não é The Last Waltz, nem de longe, embora o filme capture bem a energia elétrica que a maior banda de rock do mundo libera quando entra em sintonia. (Ver Keith Richards e Mick Jagger dividindo o palco com a lenda do blues Buddy Guy é um prazer à parte.)

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O material de bastidores não acrescenta muito, mas dá para sentir a rivalidade entre Marty e Mick enquanto esses dois "machos-alfa" disputam o controle da situação. R.I.P. Charlie Watts.

24) Contos de Nova York (1989) 484v2l

"É arte… se você desistir, então nunca foi um artista de verdade."

A ideia parecia ótima no papel: juntar três cineastas de primeira linha, cada um contribuindo com um curta para um filme antológico, com todas as histórias ambientadas na cidade que nunca dorme. Só que, na prática, só a parte de Scorsese, "Life Lessons", realmente vale a revisita. (A história fofa de Francis Ford Coppola sobre uma criança num hotel é uma versão diluída de Eloise, e quanto menos se falar da piada sem graça de mãe do Woody Allen, melhor.)

Começando com uma entrada triunfal ao som de "A Whiter Shade of Pale" do Procol Harum, este retrato de um pintor (Nick Nolte) que só consegue criar em meio a caos emocional e tumulto interpessoal é uma visão brutal da ideia do artista como narcisista incurável. Sua ex-amante e atual musa, a aspirante a pintora Paulette (Rosanna Arquette, no auge), tenta manter a relação no nível platônico enquanto navega pela cena artística do centro de Nova York.

Mas o ciúmes e o comportamento autodestrutivo do mentor são um golpe mortal em qualquer chance de final feliz. Você torce, pelo bem do próprio Scorsese, que isso não seja autobiográfico — embora o tempo tenha mostrado que ele ao menos escapou do ciclo de repetição sem fim que assombra o "vampiro neoexpressionista" de Nolte.

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23) A Invenção de Hugo Cabret (2011) 1f1l2t

"Se você alguma vez se perguntou de onde vêm os seus sonhos, olhe em volta — é aqui que eles são feitos."

Quando tinha 13 anos, Scorsese foi assistir A Volta ao Mundo em 80 Dias no cinema; antes do filme, aram Viagem à Lua de Georges Méliès, e ele ficou maravilhado com o que aquele pioneiro do cinema mudo tinha criado.

Não é exagero dizer que A Invenção de Hugo Cabret é tanto uma homenagem a esse mágico do cinema quanto uma adaptação do livro de Brian Selznick. Na verdade, é uma carta de amor ao próprio poder do cinema e à forma como ele alimentou a imaginação de Scorsese por décadas — a cena em que o jovem Hugo e sua amiga Isabelle (Chloë Grace Moretz) assistem extasiados às imagens na tela é pura emoção pessoal.

Sempre que o foco está na relação entre Hugo e Méliès e na descoberta desse novo meio artístico, o filme ganha vida. Mas cada vez que voltamos para cenas com o pai do garoto (Jude Law), a vendedora de flores gentil (Emily Mortimer) ou o atrapalhado inspetor da estação (Sacha Baron Cohen), o filme começa a escorregar para o território genérico — embora visualmente deslumbrante — dos filmes infantis. Uma obra menor sobre a obsessão mais profunda de Scorsese.

22) Silêncio (2016) 5d3l2h

"Com certeza Deus ouviu suas orações enquanto morriam... mas será que ouviu seus gritos?"

Scorsese nunca escondeu sua formação religiosa e sua história com o catolicismo — quase virou padre, e arriscou a carreira inteira para fazer um filme sobre Jesus Cristo (mais sobre isso depois). Mas ao adaptar o romance de Shūsaku Endō sobre dois jesuítas tentando resgatar um colega perseguido por espalhar o cristianismo no Japão do século XVII, ele muda o foco: do poder da fé para o preço de mantê-la.

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Declarar-se cristão no Japão daquela época era praticamente uma sentença de morte, e o missionário Padre Ferreira (Liam Neeson) chega ao ponto de renegar sua fé; por que outros deveriam sofrer por causa de sua piedade? Os dois jovens que vão em busca dele, Padre Rodrigues (Andrew Garfield) e Padre Garupe (Adam Driver), veem isso como traição — até conhecerem a congregação "secreta" e entenderem o que ele ou.

É um filme difícil, tão austero na estética quanto na retratação do sofrimento católico em nome do Salvador. O que é irônico, considerando que grande parte do filme vê a ortodoxia como obstáculo à fé verdadeira, e não como pré-requisito. Dá pra sentir o quanto esse projeto significava para Scorsese, mesmo que, para o público, ele seja duro de penetrar.

21) Cassino (1995) 5q1z3q

"Tem muitos buracos no deserto… e muitos problemas enterrados nesses buracos."

Bem-vindo a Las Vegas, onde Sam "Ace" Rothstein (Robert De Niro) comanda um império mafioso. Ele é o cérebro; seu amigo, Nicky Santoro (Joe Pesci), é o músculo. A esposa de Rothstein, Ginger McKenna (Sharon Stone), representa a "beleza" do trio.

É um paraíso alimentado por dinheiro, até deixar de ser — entra o Cadillac explodindo. Você não pode dizer que o filme não tem pedigree: do elenco ao roteiro de Nicholas Pileggi (baseado em seu próprio livro), até os créditos iniciais insanos criados por Saul Bass. Mas sejamos honestos: a aventura de Scorsese na Cidade do Pecado é facilmente a mais superestimada de sua impressionante sequência de filmes nos anos 1990.

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Mesmo sendo separado de Os Bons Companheiros por dois longas, a sombra daquela obra-prima paira grande demais sobre Cassino. A gente adora um terno salmão bem cortado, e ainda achamos que Sharon Stone foi injustiçada no Oscar. Mas a sensação de déjà vu — que Scorsese já percorreu esse território e explorou essa estrutura de ascensão e queda com mais eficácia antes — pesa mais do que qualquer montagem ao som dos Rolling Stones ou cena com cabeças prensadas em morsa.

20) The Color of Money (1986) w1p40

"Esse é o 'Fast Eddie' Felson… e você, é o fim do mundo?"

Paul Newman escreveu uma carta para Scorsese depois de ver Touro Indomável, dizendo que queria que ele dirigisse a tão esperada continuação de Desafio à Corrupção (The Hustler). Scorsese sempre considerou o original de 1961 "uma obra-prima", mas hesitou em fazer uma sequência tardia sobre o segundo personagem mais famoso de Newman, depois de Butch Cassidy.

"Mas eu sempre amei o Newman", disse Marty anos depois, "e ele nos deu uma chance incrível." O resultado é a continuação perfeita da história de "Fast Eddie" Felson, agora um vendedor de bebidas de meia-idade vivendo em paz. Até que ele conhece Vincent Lauria (Tom Cruise no modo mais Tom Cruise possível), um jovem talento nas mesas de bilhar, e sente vontade de voltar ao jogo. Ao lado da namorada do rapaz, Carmen (Mary Elizabeth Mastrantonio), Eddie sai em turnê para mostrar ao novato como se faz. É um veículo duplo de estrelas, e valeu a Newman seu tão merecido Oscar.

Mas Scorsese e o diretor de fotografia Michael Chapman nunca trataram o filme como um "trabalho encomendado", injetando energia real em cada sequência estilosa e disputa em salão esfumaçado. Quem diria que montagens infinitas de bolas batendo no pano verde poderiam ser tão empolgantes de assistir?

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19)  No Direction Home (2005) 56e6s

"É difícil entrar no ritmo quando estão vaiando… eu nem quero mais entrar no ritmo!"

Scorsese trabalha com documentário desde o começo — não esqueça que ele estava em Woodstock, filmando tudo. E ao longo da segunda metade de sua carreira, ele fez uma série de filmes não ficcionais: desde os de tom mais pessoal (Minha Viagem à Itália, uma ode ao cinema italiano), ando por docs musicais (George Harrison: Living in the Material World, Personality Crisis), até retratos diretos de pessoas (Public Speaking) e instituições (The 50 Year Argument).

Mas é seu olhar eclético e épico sobre a vida e a obra de Bob Dylan que melhor mostra como ele usa o documentário para fundir o jornalístico com o cinematográfico. Um mergulho profundo e retrospectivo na evolução de Dylan — de andarilho feliz de Hibbing, Minnesota, a voz de uma geração, até se tornar um iconoclasta com uma Fender na mão — o filme é ancorado por uma longa e sincera entrevista com o próprio Dylan (via seu arquivista Jeff Cohen) e por imagens incríveis da turnê de 1966, marcada por multidões vaiando furiosamente.

Scorsese usa a entrevista para guiar a jornada e intercala o material dos shows para interromper, pontuar e dar ritmo à narrativa dividida em duas partes. O resultado é um retrato que faz com que a famosa guinada elétrica de Dylan — e a controvérsia em torno dela — pareça quase inevitável. Quando finalmente chegamos ao lendário show em Manchester ("Judas!"), Scorsese já nos convenceu de que tudo isso era o destino de Dylan. Quando perguntaram por que quis fazer o filme, ele respondeu: "Não consigo articular o que a música de Dylan significa pra mim. Mas a música é tudo."

18) Kundun (1997) 3334o

"Libertarei aqueles que não estão libertos. Aliviarei aqueles que ainda sofrem."

"A pergunta pra mim era (e ainda é): você precisa ser religioso para ser uma pessoa espiritual?" Foi isso que ou pela cabeça de Scorsese quando lhe entregaram o roteiro de Melissa Mathison sobre a juventude de Tenzin Gyatso, reconhecido por monges budistas como o 14º Dalai Lama quando ainda era uma criança.

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O garoto acabaria tentando mediar a paz entre o povo tibetano e o governo chinês, antes de viver no exílio na Índia, no final dos anos 1950. Para quem já conhecia o interesse de Scorsese por temas espirituais e sua curiosidade insaciável por teologia, não foi surpresa vê-lo dirigir um filme sobre essa figura sagrada. Já para quem via Marty apenas como o cara dos filmes de máfia, Kundun foi um choque completo.

O longa estreou discretamente — e enfrentou forte resistência do governo chinês —, mas hoje é considerado uma peça-chave dentro da filmografia do diretor, perfeitamente alinhada com seus outros filmes que investigam o que significa viver uma vida guiada pela fé. E nesse caso, a gente concorda 100% com Christopher Moltisanti.

17) New York, New York (1977) 1o4c3o

"Eu te amo. Quer casar comigo? Não quero que mais ninguém fique com você."

Imagine que você está assistindo a um musical da MGM dos anos 1940 e, de repente, o Johnny Boy de Caminhos Perigosos entra em cena, soprando um saxofone e tocando o terror. É essa a sensação ao ver a tentativa brilhante — e esquisita — de Scorsese de fundir o artificialismo da Velha Hollywood com o realismo cru da Nova Hollywood, tudo em nome de ressuscitar uma ideologia cinematográfica quase extinta.

Apaixonado confesso pelos musicais da era dourada e recém-empoderado pelo sucesso de Taxi Driver, o diretor criou a história de um músico de jazz (Robert De Niro) e uma cantora (Liza Minnelli, canalizando Judy Garland com uma precisão quase sobrenatural) que fazem música juntos no pós-guerra.

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Exceto que De Niro interpreta esse "romântico" como um sujeito possessivo, agressivo, praticamente abusivo — um personagem que caberia melhor num drama sombrio dos anos 70 sobre misantropos. Ela depois faz sucesso sozinha. Eles se separam. Scorsese achava que o atrito entre esses dois tipos de filmes geraria algo único, e gerou mesmo — só que não do tipo que os produtores ou o público de 1977 esperavam.

O fracasso quase afundou sua carreira e contribuiu para seu colapso, amplamente documentado. Mas vendo hoje, especialmente com a sequência "Happy Endings" restaurada (cortada na versão original), o filme parece uma joia esquecida no catálogo do diretor. E sim, a interpretação de Minnelli da canção-título ainda arrepia.

16) Cabo do Medo (1991) 571k48

"Talvez eu seja o grande lobo mau…"

"Às vezes eu tento fazer um filme só por diversão", disse Scorsese ao comentar sua decisão de refilmar o thriller de 1962, em que um ex-presidiário, Max Cady (Robert De Niro), sai da cadeia decidido a se vingar do advogado de defesa que escondeu provas que poderiam tê-lo inocentado.

Só que a vingança não é só contra o advogado Sam Bowden (Nick Nolte), mas contra toda a sua família. Na versão original, Robert Mitchum transmitia uma ameaça silenciosa e constante. Já na interpretação de De Niro, Max é barulhento, vulgar, e parece saído de um conto de fadas macabro.

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Scorsese vai aumentando a tensão em espiral, até chegar a uma das sequências mais perturbadoras dos anos 1990 — e da sua própria filmografia: a cena da "sedução" entre Cady e Danielle, a filha de 16 anos de Bowden, interpretada por Juliette Lewis. (A própria atriz chamou os nove minutos de cena de "um tango psicológico.")

Nem o final de terror explícito consegue dissipar a sensação incômoda que o diretor e o elenco constroem aqui. O que poderia ter sido um remake plano e sem alma vira um filme doentio — no melhor sentido possível.

15) A Última Tentação de Cristo (1988) 145757

A Última Tentação de Cristo (1988)
Foto: Rolling Stone Brasil

O projeto de paixão de Scorsese — ou melhor, seu projeto da Paixão — remonta ao início dos anos 1970, quando Barbara Hershey lhe deu o romance de Nikos Kazantzakis sobre Jesus como homem e como messias.

O diretor esteve perto de realizar o filme diversas vezes, mas a falta de financiamento e o receio dos produtores e estúdios sempre acabavam levando tudo de volta à estaca zero. Quando Scorsese assinou com Mike Ovitz em meados dos anos 80, o superagente prometeu que ajudaria a viabilizar o filme, e após finalizar "A Cor do Dinheiro", o diretor finalmente conseguiu transformar seu sonho em realidade.

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Situado em algum ponto entre as antigas epopeias bíblicas que Scorsese assistia na infância e o cru "O Evangelho Segundo São Mateus", de Pier Paolo Pasolini, essa releitura da vida, morte e ressurreição de Cristo é um dos filmes mais reverentes e inspiradores já feitos sobre Jesus.

É a obra tanto de um verdadeiro crente quanto de alguém disposto a questionar a figura que muitos chamam de "filho de Deus" — um verdadeiro testemunho da fé de Scorsese. Há quem critique a atuação de Willem Dafoe, mas nós não estamos entre esses críticos; itimos que o cabelo ruivo de Harvey Keitel (que interpreta Judas) é um pouco distrativo, mas não chega a comprometer o filme.

Como era de se esperar, gerou muita polêmica, mas considerar que a tentativa de Scorsese de lidar com contradições e restabelecer uma conexão com Cristo seja blasfema soa perigosamente estreito. É uma obra de arte profunda.

14) Alice Não Mora Mais Aqui (1974) t1e4i

Alice Não Mora Mais Aqui (1974) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

Ellen Burstyn contou que, quando conversou com Scorsese pela primeira vez sobre a possibilidade de ele dirigir essa história de uma mãe solteira tentando sobreviver, quis saber por que ele seria a pessoa certa para o trabalho.

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Afinal, ele era o cara que tinha acabado de dirigir "Caminhos Perigosos", um filme com uma energia extremamente masculina. O que ele saberia sobre a vida interior das mulheres? "Nada", ele teria respondido. "Mas eu gostaria de aprender." Scorsese mergulhou em seu amor pelos filmes de Hollywood dos anos 1930 — a homenagem a "O Mágico de Oz" no começo é especialmente inspirada — para criar esse melodrama sobre uma aspirante a cantora presa em Phoenix, Arizona, com seu filho, trabalhando como garçonete enquanto planeja os próximos os.

Mais importante ainda, ele confiou em seus atores para encontrar as conexões emocionais de seus personagens e ajustou constantemente o roteiro e as cenas com base nas improvisações. Burstyn disse depois que, graças à combinação específica dele de ser "metódico e flexível", não conseguia imaginar ter feito esse filme com outra pessoa.

Isso lhe rendeu um Oscar e estabeleceu Scorsese como um diretor versátil que fazia bem mais do que apenas retratar caras durões. Nada de pônei de um truque só aqui, muito obrigado.

13) Rolling Thunder Revue: A Bob Dylan Story by Martin Scorsese (2019) 376a

"Não me lembro de nada do Rolling Thunder... aconteceu há tanto tempo que eu nem tinha nascido!"

Você seria perdoado por pensar que o olhar de Scorsese sobre a infame turnê Rolling Thunder de Bob Dylan em 1975-76 era apenas um complemento ao seu documentário extenso sobre Dylan, "No Direction Home" — aquele filme termina em 1966, por volta da época em que um acidente de moto forçou o cantor a reconsiderar o rumo de sua vida.

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E de fato, ao revisitar esse período, vemos o bardo do rock tocar em locais pequenos e desconstruir sucessos antigos enquanto usa maquiagem de Kabuki. Como mostram os inúmeros trechos de shows, foi ainda mais estranho (e brilhante) do que parece.

Se o diretor tivesse apenas conseguido tornar todo aquele material de "Renaldo and Clara" assistível, o filme já seria um sucesso. (A versão rock pesada de "A Hard Rain's Gonna Fall" é reveladora, e a cena em que Joni Mitchell impressiona Dylan com uma interpretação de "Coyote" é impagável.)

Em vez disso, Scorsese se inspira em seu retratado e, quando Sharon Stone e o político fictício Jack Tanner começam a relembrar suas memórias desse circo ambulante... bem, quando a lenda vira fato, publique a lenda. Não siga líderes — nem confie em ninguém, na frente ou atrás das câmeras. Pura genialidade.

12) Os Infiltrados (2006) 6p4y17

Os Infiltrados (2006) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Tem um rato — um rato roedor, comedor de queijo, desgraçado — e isso levanta algumas questões..."

Scorsese itiu que relutou em aceitar esse quase remake do thriller de Hong Kong "Conflitos Internos", sobre um policial infiltrado numa gangue enquanto um criminoso atua como informante dentro do departamento de polícia.

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Ele não tinha certeza se poderia fazer algo com a história — até perceber que tudo girava em torno da traição. De repente, ele sentiu uma conexão emocional e encontrou uma forma de se envolver com o material. Esse foi o filme que finalmente deu o Oscar a Scorsese e, embora isso não compense as injustiças anteriores da Academia, é o tipo de filme que eleva uma narrativa pulp a alturas delirantes sem perder a profundidade, de forma que o reconhecimento era quase inevitável.

Também foi a colaboração entre Scorsese e Leonardo DiCaprio em que eles finalmente encontraram uma química ideal entre ator e diretor — o astro explora aqui algo mais sombrio e conflituoso do que o habitual. Além disso, Matt Damon tem um papel de destaque como espião da polícia, numa espécie de volta por cima bostoniana, e Jack Nicholson devora o papel de chefão mafioso mefistofélico com prazer.

É um filme cheio de frases icônicas ("Eu sou o cara que faz o trabalho dele, você deve ser o outro cara"), e prova de que, apesar da velha história de Scorsese sobre não saber fazer filmes comerciais, ele conseguiu um sucesso de crítica e bilheteria simplesmente sendo fiel a si mesmo.

11) Depois de Horas (1985)  1n6j5d

Depois de Horas (1985) - Divulgação
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Outras regras se aplicam quando a noite chega nesse ponto."

Desanimado depois de (mais uma vez) quase conseguir tirar do papel "A Última Tentação de Cristo" e sentindo que não havia mais espaço para ele na indústria, Scorsese estava numa fase ruim. Precisava fazer um filme — e precisava fazê-lo rápido, de forma ágil, sem a burocracia de Hollywood.

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A salvação veio na forma de um roteiro escrito por Joe Minion, quando ainda era estudante na Universidade Columbia, sobre um homem de Manhattan que vai para o sul da 14ª Rua acreditando que vai ter um encontro com uma jovem bonita que acabou de conhecer. Ao fim da noite, terá ado por todo tipo de humilhações e se verá num pesadelo kafkiano.

Scorsese disse que bastaram 10 páginas para saber que precisava dirigir aquele filme, e essa comédia de humor negro foi exatamente a revitalização criativa que ele precisava. Parece um filme independente do início dos anos 90 — só que lançado cinco anos antes do previsto.

O elenco — Griffin Dunne, Rosanna Arquette, Linda Fiorentino, Catherine O'Hara, Teri Garr, e sim, Cheech e Chong — acerta em cheio o equilíbrio entre o cômico e o bizarro, e Scorsese conduz a mistura de suspense à la Hitchcock com paródia boêmia com maestria. É o filme alternativo improvisado de Scorsese, perfeito para qualquer hora do dia.

10) O Rei da Comédia (1982) fo1f

O Rei da Comédia (1982) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Melhor ser rei por uma noite do que um idiota a vida inteira."

Comédias de constrangimento não ficam mais constrangedoras do que essa sátira cáustica de Scorsese sobre a cultura das celebridades, na qual o aspirante a comediante Rupert Pupkin se recusa a aceitar um "não" como resposta — mas não vê problema algum em fazer reféns para realizar seu sonho de alcançar o estrelato.

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Robert De Niro canaliza toda sua energia de macho alfa no triste beta masculino de Scorsese, dando ao homem que queria ser rei um ar perigoso e imprevisível — ele é como um Travis Bickle com menos armas e um stand-up de dez minutos. O alvo da iração de Pupkin, o ícone da TV noturna Jerry Langford (Jerry Lewis, perfeitamente escalado), logo é percebido como o "obstáculo" entre ele e seu destino.

Então, é claro que a única saída de Rupert é recrutar uma fã igualmente desequilibrada (Sandra Bernhard) e sequestrar seu ídolo, usando o apresentador à la Johnny Carson como moeda de troca para apresentar seu número estilo Borscht Belt misturado com sessão de terapia. Tempos desesperadores, etc. É ao mesmo tempo um dos filmes mais engraçados e mais dolorosos da filmografia de Scorsese, graças a um coquetel tóxico de humilhação e agressividade.

O diretor disse que, quando leu o roteiro de Paul Zimmerman em 1974, não conseguia entender como a obsessão por celebridades podia ultraar a linha da hostilidade. Quando retomou o projeto no início dos anos 1980, após lidar com sua própria fama (e depois de ver um aspirante a assassino presidencial citar Taxi Driver como influência), Scorsese compreendia a história bem demais.

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"Este cobertor é um alvo em nossas costas."

Qualquer adaptação do best-seller de David Grann sobre uma série de assassinatos na tribo Osage na década de 1920, em uma região rica em petróleo, já seria um grande evento.

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O fato de que Scorsese seria o diretor, e de que o filme traria Leonardo DiCaprio e Robert De Niro atuando juntos pela primeira vez sob sua direção, quase fez da estreia um feriado nacional. E enquanto muitos diretores teriam feito uma narrativa de "salvador branco", com o recém-formado FBI salvando o dia, Scorsese escolheu outro caminho, colocando o foco no relacionamento entre Ernest Burkhart (DiCaprio) e sua esposa Osage, Mollie (Lily Gladstone).

Essa decisão faz toda a diferença, acrescentando um elemento íntimo a uma tragédia épica americana. Esta é a mistura de história, violência, romance e drama freudiano de pai e filho que o diretor buscava em "Gangues de Nova York", mas que agora acerta em cheio.

Uma releitura gótica do faroeste e também uma correção dos danos que o gênero causou aos nativos americanos, este noir de fronteira parece mostrar que o diretor, aos 80 anos, está apenas começando a atingir o auge de sua forma.

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Caminhos Perigosos (1973) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Você não se redime dos seus pecados na igreja. Faz isso nas ruas."

Desde o momento em que a cabeça de Harvey Keitel encosta no travesseiro ao som dos tambores de "Be My Baby", das Ronettes, já se sente que algo especial vai acontecer na tela. Esta história de dois caras do bairro é o filme no qual Martin Scorsese se tornou Martin Scorsese: um cineasta com um ouvido aguçado para trilhas pop e rock, um olhar infalível para enquadramentos (se houver ícones religiosos ao fundo, melhor ainda) e um instinto certeiro para equilibrar o sagrado e o mundano.

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Ele já havia trabalhado com Keitel antes, que interpreta Charlie — uma versão do próprio diretor — como um jovem dividido entre suas ambições profissionais e a culpa católica. Mas esta foi a primeira vez que Scorsese trabalhou com um rosto familiar de Little Italy: Robert De Niro. A energia imprevisível que ele traz a Johnny Boy, o encrenqueiro local, é a primeira de uma série de homens instáveis que ator e diretor criariam juntos.

Foi o início de uma bela amizade — e não só entre os dois. "Caminhos Perigosos" é onde Scorsese cria um diálogo com o próprio cinema, canalizando todos os seus talentos, obsessões e inquietações artísticas para formar a sua voz como cineasta. Era seu terceiro longa, mas é aqui que tudo realmente começa.

7) A Época da Inocência (1993) 5s1q4f

A Época da Inocência (1993) - Divulgação
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Este é um mundo equilibrado de forma tão precária que sua harmonia poderia ser despedaçada por um sussurro."

Pergunta: Quem é mais brutal, mais violento e mais impiedoso nos caminhos do crime e da punição do que a Máfia? Resposta: A alta sociedade nova-iorquina do século XIX.

Há um argumento forte a ser feito de que a requintada adaptação que Scorsese fez do romance de Edith Wharton é seu filme mais selvagem até hoje — o número de punhaladas silenciosas por personagem supera em dobro o de seus filmes de crime.

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Daniel Day-Lewis interpreta Newland Archer, um advogado prestes a se casar com uma das famílias mais prestigiadas de Gotham, via May Welland (Winona Ryder). Há apenas a questão da prima de May — a Condessa Ellen Olenska (Michelle Pfeiffer) — que teve o azar de se casar com um canalha europeu e agora é persona non grata.

Newland consegue reabilitá-la socialmente entre os membros da elite, mas os dois começam a desenvolver sentimentos um pelo outro — e aqueles que podem te considerar "aceitável" podem muito bem te banir com o mais educado dos sorrisos. O que parece ser uma anomalia entre as histórias de Scorsese sobre códigos de conduta, lealdades tribais e traição é, na verdade, apenas uma versão com figurino de época dos mesmos temas.

É também uma de suas obras mais devastadoras, em que não se derrama uma gota de sangue, mas vários personagens terminam mortos — se não fisicamente, certamente por dentro.

6) O Último Concerto de Rock (1978) 5z5k1s

O Último Concerto de Rock (1978) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Este filme deve ser assistido em VOLUME ALTO."

Começa pelo fim, com os exaustos integrantes da The Band entrando no palco sob aplausos roucos. Eles tocam sua versão personalizada de "Baby Don't You Do It", de Marvin Gaye, e então saem, pela esquerda.

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E com isso, Scorsese não apenas entrega o registro definitivo do show de despedida da The Band em 1976 — ele inaugura o que muitos consideram o maior filme-concerto de todos os tempos. (Ou, no mínimo, um eterno empate em primeiro lugar.) Uma despedida revolucionária movida a som, fúria e uma constelação de estrelas lendárias do rock, The Last Waltz captura a agonia e o êxtase daqueles cinco músicos tocando juntos pela última vez.

O quem, onde e por que do adeus de Ação de Graças da banda tornam o filme obrigatório para fãs da cultura do rock da época, mas é o como que o faz alcançar outro patamar. "A forma era importante para mim", disse Scorsese a Richard Schickel no livro de entrevistas Conversations With Scorsese. "O movimento da câmera com a música, a montagem, capturar as performances ao vivo."

Ele manteve o foco nos músicos, não na plateia, e filmou tudo como se fosse um longa-metragem narrativo, não um documentário em estilo cinéma vérité; os cortes rítmicos enquanto os integrantes da The Band e a família Staple cantam o refrão de "The Weight" (um dos poucos números regravados em estúdio) tornam aquela sequência um testamento tanto ao som quanto à visão. É um dos raros filmes-concerto em que ambas as palavras da definição têm o mesmo peso.

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Italianamerican (1974) / American Boy: A Profile of Steven Prince (1978) - Reprodução
Foto: Rolling Stone Brasil

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"Você nunca vai sair vivo desta casa!"

Como muitos cineastas, Scorsese começou com curtas, variando dos bobos (It's Not Just You, Murray) aos satíricos e sombrios (The Big Shave) — vários deles estão disponíveis na coletânea Scorsese Shorts da Criterion Collection.

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Mas dois curtas dos anos 1970, feitos depois que ele já havia se firmado como um dos jovens talentos da Nova Hollywood, oferecem vislumbres reveladores de suas obsessões e de um estado mental um tanto perturbado durante a "década do eu". Italianamerican é pouco mais do que Scorsese instigando seus pais, Charles e Catherine, a contarem histórias de sua infância e da vida em Little Italy.

American Boy mostra um Marty esquelético em Los Angeles com amigos ouvindo o ator Steven Prince — o vendedor de armas em Taxi Driver — contar histórias sobre sua época como empresário de Neil Diamond e seus problemas com a lei.

Um parece uma conversa familiar ouvida por acaso num jantar de domingo; o outro, uma transmissão noturna do Planeta Cocaína, um mundo preso numa meia-noite eterna. Frequentemente exibidos juntos em sessões duplas, hoje eles soam como peças fundamentais de sua filmografia, tão ricas e vitais quanto seus longas.

Mostram de onde Scorsese veio — uma família cheia de amor e amor por histórias — e oferecem um vislumbre perturbador de para onde ele talvez estivesse indo em 1978, quando sua convivência com personagens perigosos e seu estilo de vida autodestrutivo indicavam que ele estava perigosamente perto do abismo.

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4) Taxi Driver (1976) 653xn

"Algum dia, uma verdadeira chuva virá e lavará toda a escória das ruas."

Em algum lugar do multiverso, existe um mundo em que Robert Mulligan (O Sol é Para Todos) dirige Jeff Bridges como Travis Bickle. (Não é piada — isso quase aconteceu!) Felizmente, vivemos neste mundo, em que Martin Scorsese e Robert De Niro transformaram o roteiro de Paul Schrader — sobre "o homem solitário de Deus" guiando seu táxi pelo inferno, ou seja, Manhattan entre 2 e 5 da manhã — num dos filmes americanos mais icônicos dos últimos 50 anos.

Ele cimentou o vínculo entre diretor e ator iniciado em Mean Streets, mostrou que Harvey Keitel podia interpretar um cafetão, e apresentou ao mundo um anti-herói perturbado e socialmente deslocado, furioso com seu lugar na sociedade, muito antes do termo "incel" existir. Mesmo cinéfilos casuais conhecem de cor o monólogo "Você está falando comigo?"; se alguém também começa a recitar palavra por palavra a participação de Scorsese como marido homicida, é melhor sair correndo.

O diretor disse que queria retratar a descida de Bickle à loucura como "uma mistura de horror gótico com o New York Daily News", e as cenas de violência urbana do filme ainda causam debates acalorados (vide o capítulo inflamado de Tarantino sobre ele em Cinema Speculation). O mais chocante, no entanto, é como ele ainda choca.

O modo implacável como nos obriga a encarar esse pária é mais perturbador do que nunca. Scorsese e companhia foram incrivelmente proféticos. Travis Bickle já foi um alerta sobre masculinidade tóxica, isolamento e raiva. Hoje você encontra dezenas como ele em qualquer rede social.

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3) O Irlandês (2019) s445a

"Se eles conseguem eliminar um presidente, conseguem eliminar o presidente de um sindicato."

Ou: O gângster como trágico zero. Com exceção talvez de Raoul Walsh, nenhum cineasta influenciou mais o filme de máfia do que Scorsese — para o bem ou para o mal — e com esta adaptação de I Heard You Paint Houses, de Charles Brandt, o diretor oferece o que é essencialmente seu testamento final sobre o gênero.

Robert De Niro interpreta Frank Sheeran, capanga da Máfia e depois dirigente dos Teamsters, braço direito de Jimmy Hoffa e, segundo suas memórias, seu assassino. Joe Pesci é o chefão que dá as ordens; Al Pacino é Hoffa, que ama tanto os trabalhadores quanto ama sorvete e poder.

Sim, há mais tiros e criminosos elegantes ajustando os punhos das camisas contra o pano de fundo do capitalismo mafioso do século 20, mas Scorsese está atrás de algo maior do que apenas um compilado de greatest hits. Este é um filme sério e sombrio que nos faz questionar como vemos esses malandros cínicos e durões destemidos ao longo dos anos — e o que acontece com eles depois que a festa acaba.

Em muitos aspectos, é o anti-Goodfellas — uma longa dose de adrenalina que depois exige que você reflita profundamente sobre as consequências de uma vida de compromissos morais e regras da máfia. Mesmo que não seja sua despedida definitiva do gênero, é a palavra final sobre a mitologia que ele ajudou a transformar em cultura pop. Obras-primas tardias raramente são tão melancólicas — ou tão impressionantes — quanto esta.

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2) Touro Indomável (1980) 1j4k20

"Quero que você me acerte com tudo o que tem. Quero que me arrebente de verdade."

O bastidor é tão lendário quanto o filme: após se desgastar com trabalho excessivo, noites mal dormidas e viver no limite, Scorsese acabou hospitalizado. Durante sua recuperação, De Niro o visitou no hospital e trouxe a autobiografia do boxeador Jake LaMotta.

Era um projeto que ele já tinha sugerido antes, mas o diretor não se interessava em fazer um filme de boxe. Aos poucos, porém, ele percebeu que a história era sobre um homem em rota de autodestruição tentando fazer as pazes consigo mesmo — algo com o qual, após sua quase morte, Scorsese pôde se identificar plenamente.

O resto é história. Touro Indomável não é apenas um dos maiores filmes sobre boxe já feitos (Scorsese disse que filmou as lutas com a mesma coreografia cinematográfica dos números de The Last Waltz), mas também um dos maiores filmes dos anos 1980 e uma das mais extremas entregas do método de atuação de De Niro.

É um raro filme que faz você sentir não apenas cada soco, mas cada centímetro de superação rumo à redenção espiritual. Para um filme tão doloroso e físico — em que a violência é tão frequente fora do ringue quanto dentro — há algo de quase transcendente na jornada de LaMotta de volta à luz. Quando ele finalmente consegue se olhar no espelho no final, sabemos exatamente o que foi necessário para alcançar aquele momento de autoaceitação. Difícil não pensar que Scorsese também conhecia cada o desse caminho.

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1) Os Bons Companheiros (1990) j252

"Desde que me lembro, sempre quis ser um gângster."

A adaptação vertiginosa e alucinante de Scorsese do livro Wiseguy, de Nicholas Pileggi, é um estudo de antropologia social, uma visão épica do sonho americano, um pesadelo movido a cocaína, uma vitrine vertiginosa de virtuosismo cinematográfico, o modelo do crime organizado moderno no cinema, e um retrato insuperável de um mundo onde você pode tanto ser abraçado quanto executado com um tiro no rosto. "Os mafiosos adoram, porque é autêntico", disse Pileggi à GQ. "Dizem que parece um vídeo caseiro." Cada atuação — da trindade sagrada Ray Liotta, Robert De Niro e Joe Pesci ("Engraçado como? Pareço um palhaço pra você?") até Lorraine Bracco como a esposa sofrida e a galera do bairro ao fundo — é perfeitamente calibrada.

As referências de Scorsese vão de O Poderoso Chefão a The Great Train Robbery; a trilha sonora vai de Bobby Darin a Donovan, dos Rolling Stones a Sid Vicious. (Depois daquela montagem de assassinatos, ficou praticamente proibido usar a coda de "Layla" para qualquer cena.) Graças à forma como o humor e a violência se alternam, parece a crônica definitiva do "o crime compensa — só que a conta vem pesada no final". Scorsese já havia abordado o mundo do crime que viu crescer em Little Italy, mas aqui está sua grande declaração sobre a mentalidade mafiosa: ou você é um bandido, ou um otário. "Quis seduzir todos com o estilo do filme", ele diria anos depois. "E depois destruí-los com ele."

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