Uma frase rabiscada em uma das histórias do livro Último Sonho, do cineasta espanhol Pedro Almodóvar, deu a liga que faltava para o novo álbum de Raquel. Lida durante uma viagem a Lisboa, a sentença Não incendiei a casa por milagre foi capaz de sintetizar o mergulho íntimo em sentimentos como raiva, medo e insegurança em que a compositora vinha trabalhando desde dezembro de 2024. 1r6r2f
"Queria dar vazão para falar das minhas toxicidades, todos estes sentimentos que, muitas vezes, preferimos ocultar do que expor. Acho maravilhoso quem não está com raiva neste momento com tudo que acontece no mundo, mas eu estou com raiva. E precisava falar disso", desabafa Raquel.
Em seu novo trabalho, Raquel assina seis das oito composições selecionadas. São músicas que eiam por temas como domínio (Monopólio); amor idílico (Jogador de Futebol); espetacularização da vida (Ao Vivo) e disputa de desejos (Não incendiei a casa por milagre).
As duas únicas não autorais são assinadas por Rita Lee (Vidinha) e de Caetano Veloso (Autotune Erótico). O filho do músico baiano, Moreno Veloso, é responsável pela direção do álbum, gravado este ano em Copacabana, no Rio de Janeiro. O novo disco vai ser lançado no fim de maio nas principais plataformas de streamings do país.
"Todo o processo de feitura do disco foi muito leve. E o trabalho final guarda muitas semelhanças com o álbum 'Recanto Ao Vivo', da Gal Costa, também dirigido por Moreno Veloso", diz Raquel, fã confessa da cantora baiana, morta em 2022.
"Nós optamos por fazer um rock sujo, moderno, urbano e bossa-novista, tal qual usado em Recanto. E o formato super funcionou para o tipo de letra que desejava exprimir nas composições", completa, orgulhosa.
A banda base de Não Incendiei a Casa por Milagre é formada por Pedro Sá (guitarra), Bruno Di Lullo (baixo), Domenico Lancellotti (bateria) e Eduardo Manso (bases eletrônicas). Bruno e Domenico fizeram parte da banda que tocou no icônico disco da Gal Costa.
A capa do novo álbum abusa de referências almodovarianas, com imagem de um sofá pegando fogo, uma rosa caída dentro de um vaso e Raquel trajando um look de alfaiataria, feito sob medida, mas com desconstruções pontuais, cujo propósito é variar entre o erudito e o popular.
A música homônima ao disco vai ser lançada acompanhada de um clipe, com de Ronê Ferreira, na direção e edição do material: "Fizemos um compilado de situações que acontecem em nosso cotidiano, emulando um feed de um instagram. Lá, somos bombardeados por um monte de vídeos, postagens e notícias, que vão desde pessoas se exercitando à guerra e desastres. Por isso, as imagens têm uma edição super rápida, que casam com a potência da voz da Raquel", explica Ferreira.
O álbum Não Incendiei a Casa por Milagre é conceitual e dividido em dois atos. O primeiro chama-se O roseiral. E o segundo é O cimento no roseiral. As marcações são uma lembrança de infância da artista, quando viu a roseira da casa da sua bisavó ser propositadamente destruída.
"Aquela imagem de destruição me trouxe muita angústia, ao mesmo tempo que enxergo uma poética muito grande naquela cena que, de certa forma, me definiu. Neste álbum quis resgatar essa lembrança e ressignificá-la ao sabor dos meus novos sentimentos", reflete.
Ex-vocalista da banda As Baías e duas vezes indicada ao Grammy Latino, Raquel descreve o novo trabalho como "feito para ser tocado em shows".
"Apesar das músicas sérias e que trazem uma reflexão profunda, é um álbum pensado para ser todo executado ao vivo, cantando pelo público e vivido em toda sua extensão. Estou muito ansiosa para sair em turnê e cantá-lo no palco", finaliza a artista.