Com frequência, o Brasil nos mostra como a desigualdade de tratamento é algo comum. A gente nem precisa pegar exemplos de anos atrás para poder verificar a leitura que o Estado faz de determinada parcela da população. Nós, a maioria, preta e pobre, somos vistos como cidadãos de segunda classe. Ainda que haja uma ascensão financeira, nosso ado irá nos perseguir, mas essa perseguição não se dá à parcela branca, sobretudo rica, da nossa sociedade. Para esses, existem segundas, terceiras e infinitas chances de se reorganizar. Esses sim, são cidadãos. 1w5d13
Zambelli correu atrás de um homem, não por coincidência, negro, com arma em punho, junto com meia dúzia de capachos. Léo Lins fez o que alguns chamam de piadas, insultando uma quantidade significativa de minorias: negros, pobres, LGBT, entre outras. O Poze cantou sua vivência preta e periférica, e recebeu da polícia um tratamento que nenhum dos outros jamais receberá.
É importante salientar que esse parágrafo por si só já nos ajuda a entender um pouco da vida do MC Poze. Ora, se uma mulher branca qualquer tem o poder de correr armada atrás de um homem negro, à luz do dia e na frente de todas as pessoas, o que deve acontecer quando a polícia entra na favela na calada da noite e se depara com esse mesmo homem negro? Qual impacto essa ação acarreta na vida do irmão desse homem, do filho, do vizinho que, por ventura, vê a truculência policial com seus pares? Vocês querem que essas pessoas cantem sobre as águas de março? Vocês acham que essa vivência capacita esses “não cidadãos” a amar a polícia?
Zambelli, condenada a 10 anos de prisão pelo STF, por um crime que ocorreu há quase três anos, saiu na surdina do país, e não por acaso, pela fronteira da Argentina do Milei. Interessante a concomitância, né? Essa não teve polícia na porta, não teve monitoramento da civil, não teve problemas na fronteira. Tão pouco foi levada descamisada, algemada e escorraçada de dentro de casa e na frente da família. O mesmo vale para o senhor Léo Lins, que, segundo alguns, também usa da arte para falar impropérios, mas nem de longe ou pelo tratamento estatal que foi destinado ao MC Poze do Rodo. E olhe que se a gente for falar em dinheiro, cascalho ou “faz-me-rir”, o Poze tem muito mais dinheiro que o branco comediante e a branca bolsonarista. Será que fica evidente para você que nem tudo é uma questão de dinheiro?
Eu não sou defensor do Poze, conheço pouco de sua trajetória, dentro e fora da música, mas me assustou muito a forma que ele foi tratado pela polícia. A legitimidade, ou talvez, permissividade que alguns setores do Estado têm em tratar os subcidadãos é assustadora. O ado no tráfico do Poze justifica o tratamento dado a ele? Então me explica o porquê dos políticos Gustavo Gayer ou o Zé Trovão não estarem sob questionamentos constantes sobre sua índole, já que ambos têm um ado bem oposto do que pregam hoje em dia. Até nisso o Poze tem mais dignidade que ambos. Ele ao menos não se dobrou à lógica da redenção que é negar e esconder quem foi. Ele pagou por seus crimes, não comete mais, mas segue cantando aquilo que, por anos, foi sua vivência. E não por escolha, já que a ideia de escolha, muitas vezes, não há em plenitude, e sim pelo ambiente em que ele se forjou. Ambiente sem Estado, ambiente em que a polícia é inimiga do cidadão e ambiente onde quem te estende a mão, com frequência, é o crime organizado. É ele que te ajuda a botar uma comida na mesa, comprar uns panos e outras coisas que o próprio capitalismo, e seu consumismo desenfreado, nos empurra a pensar que é o certo.
O tratamento que a sociedade como um todo destina a pessoas negras e brancas é muito diferente. Isso não quer dizer que não tenha preto mau caráter e branco gente boa. Contudo, fica nítido que o preto gente boa tem que se provar gente boa e a esse o ônus da prova não se aplica, sobretudo à noite em uma viela. Já o branco não, primeiro que eles são minorias em vielas, sobretudo fora do sul do país, mas a esses existe uma boa vontade enorme para que sua imagem seja preservada. Afinal, a partir do momento que os brancos forem tratados como os pretos, entidades como direitos humanos pararão de ser questionadas e a polícia devidamente monitorada.