Bebês reborn estão em todo lugar ou é ilusão de redes sociais? 2gn63

13 jun 2025 - 09h17

Bonecas hiper-realistas viraram a tendência do momento. Porém, agressão a criança "confundida" com réplica mostra que superexposição do fenômeno nas redes sociais pode alcançar extremos prejudiciais.Os bebês reborn estão por todos os lugares. Pelo menos, parece ser essa a realidade para quem se pauta pelas redes sociais e meios de comunicação brasileiros nas últimas semanas. O assunto das bonecas hiper-realistas está na boca dos influenciadores, nas matérias de jornais e, mais recentemente, virou tema no remake de Vale Tudo, da TV Globo. 101c1j

Bebês reborn invadiram redes sociais e o noticiário
Bebês reborn invadiram redes sociais e o noticiário
Foto: DW / Deutsche Welle

A "febre" também vem gerando consequências fora do mundo midiático. No Congresso, há projetos de lei visando proibir donos de bebês reborn de receber atendimento preferencial. O desdobramento mais preocupante dessa repercussão exacerbada em torno do assunto, no entanto, ocorreu na semana ada, em Belo Horizonte. Na ocasião, um homem de 36 anos agrediu, com um tapa, uma criança de 4 anos, que estava no colo da mãe em uma fila de uma lanchonete na capital mineira.

Publicidade

Preso em flagrante por lesão corporal, o agressor afirmou ter confundido a criança com um bebê reborn, achando que os pais estariam utilizando-se dela para furar a fila no estabelecimento. A criança chegou a ser levada ao hospital com inchaço atrás da orelha. Já o autor do ataque foi solto dois dias depois pela Justiça, que determinou a ele o pagamento de uma fiança no valor de três salários-mínimos.

Segundo especialistas consultados pela DW, o caso é representativo e mostra que a superexposição do fenômeno das bonecas nas redes sociais pode alcançar extremos bem mais prejudiciais do que o apego de colecionadores e apreciadores pelas réplicas. Além disso, eles acrescentam, há poucos indícios de que os bebês reborn sejam tão comuns nas ruas quanto o são no mundo digital.

Realidade x ficção

Para a pesquisadora Cínthia Demaria, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), é preciso ter cautela, pois o mundo da internet não é exatamente o do espaço público, apesar de que existam intercessões entre ambos.

Publicidade

"Essa interação entre virtual e real existe, não podemos ignorar. Cria-se uma realidade a partir daquilo que você compartilha, do que você pensa", afirma a psicóloga. "Me questiono, por exemplo, se esse fenômeno [dos bebês reborn] seria tão grande se não fosse a internet. É preciso se perguntar até que ponto isso é um discurso que existe. Não é algo que se sai na rua e se vê."

Demaria aponta para a dimensão que as tendências das redes sociais têm tomado na difusão de conteúdo pela imprensa e por outros meios de comunicação de massa. A pesquisadora da UFMG acrescenta que esses trendings são também preferencialmente polêmicas. "É claro que ganha repercussão muito maior um assunto onde todo mundo tem opinião para dar. Isso, para a rede social, é muito importante: segue a lógica do engajamento. O assunto dá voz, é um palco", afirma.

Essa lógica, impulsionada pelos algoritmos, reforça a formação de bolhas e cria a divisão dos usuários entre os que são "a favor" e aqueles que são "contrários". Isso, lembra ela, propicia a difusão do discurso de ódio, pois o debate nas plataformas virtuais cria a ilusão de que não haverá consequências para quem se valer dele.

"Mas não é verdade. Essa agressão [a uma criança], por exemplo, mostra que, se o discurso na internet não tem consequências aparentemente tão evidenciadas, quando entramos no laço social, na relação com os outros, que é o que precisamos para viver, trocar e existir no mundo, há consequências, sim", argumenta.

Publicidade

Sobre o fenômeno do bebê reborn ter tomado tantas proporções, Demaria aponta para a forma com que o assunto levanta questões como a percepção de que a mulher deve assumir o papel de mãe, além de objetificar a própria criança que, no caso das réplicas, é um "bebê ideal", ou seja, "não chora, não dá trabalho". "Os homens já jogavam RPG, os live action com bonecos - e não se fazia alvoroço", lembra a psicóloga.

Impulsividade e extremismo

Os dados sobre a popularização dos bebês reborn no Brasil ainda são escassos, mas, de acordo com o Google Trends, o país é o líder nas buscas pelo termo na internet. No entanto, depois de um pico no interesse dos usuários entre 18 e 24 de maio, o interesse arrefeceu - e voltou a níveis próximos do que havia antes. Por aqui, bonecos hiper-realistas existem desde os anos 1990.

Mundialmente, segundo um relatório da Market Report Analytics, de 840 mil posts no TikTok com a tag #rebornbaby, apenas 2% são feitos por "pais" das réplicas. A consultoria aponta que o mercado dos reborns vem crescendo 8% ao ano, mas representa, com 200 mil dólares em vendas anuais, uma pequena parcela do setor de bonecas, que chega a 24 bilhões de dólares.

Ainda segundo o relatório, 60% dos clientes dos reborn são adultos, entre eles adultos e idosos com doenças como Alzheimer - para os quais os bonecos hiper-realistas têm sido usados como terapia.

Publicidade

Atuando em consultórios e clínicas há sete anos, o psiquiatra Vitor Hugo Stangler diz que só teve contato uma vez com uma paciente que tinha um bebê reborn, justamente para tratamento de Alzheimer. "A sensação que eu tenho é que é tem sido muito amplificado, pois é nichado, o uso é pequeno. Faz parte de um fenômeno das redes de transformar aquilo que é pequeno, mas chama muito atenção, em uma coisa que seria real e complexa, como se estivessem bebês reborns por todos os lados nas praças, nos shopping centers. Eu vou no shopping center regularmente e nunca vi um bebê reborn", conta o psiquiatra.

Segundo Stangler, o caso da agressão a uma criança em Belo Horizonte tem algo de "amoral", mas também pode apontar para uma intolerância que tem sido presente no meio social com a difusão das redes sociais. "Hoje em dia as pessoas estão muito mais afloradas. É uma sociedade dos extremos, em que é oito ou oitenta, extrema direita ou esquerda, gosta ou odeia. Não existe meio-termo mais", explica.

O o ao celular, com todos os estímulos possíveis no alcance dos dedos, diz o psiquiatra, afeta o sistema límbico, que é responsável pela sensação de prazer, desregulando a produção de dopamina, que é responsável pela sensação de recompensa. Segundo ele, males como o déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), transtorno explosivo intermitente e até esquizofrenia estão diretamente ligadas a distúrbios relacionados à produção dessa substância.

"Talvez exista algo de cunho ético e moral para uma pessoa agredir um bebê real achando que é reborn. Mas também há algo de ser intolerante, não aceitar as diferenças, o que aponta também para essa questão", acrescenta Stangler.

Publicidade

"O mundo não está cheio de bebê reborn. São bolhas. A gente amplifica porque dá visualização, gera like, gera curtida e gera estranhamento", complementa. "Parece que estamos vivendo um fenômeno atrás do outro. As coisas são fugazes, daqui a três meses, provavelmente não vamos estar falando mais disso, e sim de outro assunto", conclui.

A Deutsche Welle é a emissora internacional da Alemanha e produz jornalismo independente em 30 idiomas.
TAGS
Curtiu? Fique por dentro das principais notícias através do nosso ZAP
Inscreva-se