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'Manas' retrata a exploração sexual infantil no Marajó com sensibilidade e ajuda de heróis da região 5i4g4s

Filme de Marianna Brennand, premiado no Festival de Veneza, chega aos cinemas após dez anos de pesquisa e apoio de duas referências no combate à violência sexual na ilha, a irmã Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante e o delegado Rodrigo Amorim, que inspiraram uma personagem no longa; leia entrevistas 5l5x6c

16 mai 2025 - 10h04
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Quando a irmã Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante assistiu pela primeira vez ao filme Manas, da diretora Marianna Brennand, foi difícil conter a emoção. Ela segurou a mão do delegado Rodrigo Amorim, que sentava ao seu lado naquela sessão especial em Belém, e precisou secar as lágrimas.

Para os dois, o que viam na tela do cinema era não só um retrato - ficcional, mas fidedigno - de situações presenciadas por eles em muitos anos de combate à violência e à exploração sexual na Ilha do Marajó, no Pará, mas também o reconhecimento de uma luta que, como reforça a irmã Henriqueta, exige muita coragem.

Manas chegou aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira, 15, depois de uma trajetória bem-sucedida em festivais no exterior, mas é o resultado de um trabalho de dez anos que teve seu lampejo inicial durante um encontro entre Marianna Brennand e a cantora Fafá de Belém.

"Ela me contou sobre os casos de exploração sexual de crianças e mulheres no Rio Tajapuru. Eu nunca tinha ouvido falar nisso, não sabia que acontecia. Fiquei muito tocada, revoltada, e entendi essa conversa com a Fafá como um chamado", lembra, em conversa com o Estadão. Marianna dividiu tudo isso com a produtora Carolina Benevides, que embarcou na jornada e é corroterista no longa.

Dira Paes (Aretha) e Jamilli Correa (Marcielle) em cena do filme 'Manas', da diretora Marianna Brennand.
Dira Paes (Aretha) e Jamilli Correa (Marcielle) em cena do filme 'Manas', da diretora Marianna Brennand.
Foto: Paris Filmes/Divulgação / Estadão

Naquela época, Marianna havia há pouco lançado seu primeiro filme, um documentário sobre seu tio-avô, o artista plástico Francisco Brennand. O seu impulso era de realizar outro documentário. Logo a cineasta percebeu que isso não funcionaria: "Eu precisaria colocar essas mulheres e crianças, que haviam sofrido essas violências tão terríveis, na frente das câmeras, para recontar essas histórias. Isso seria fazer elas viverem uma nova violência."

A ficção, apesar de um desafio completamente novo, permitiu que ela ampliasse seus horizontes - a protagonista de Manas é Marcielle (interpretada pela ótima estreante Jamilli Correa), uma jovem de 13 anos que vive na Ilha do Marajó com o pai, Marcílio (Rômulo Braga), a mãe, Danielle (Fátima Macedo), e três irmãos.

Ela cultua a imagem da irmã mais velha, que teria partido após conhecer um homem nas balsas que am pelo Tajapuru. Conforme amadurece, Marcielle se vê numa espécie de beco sem saída - o abuso vem de sua própria casa, de quem deveria protegê-la, mas também está nas balsas, onde ela idealizava uma forma de escapar da violência e da miséria.

Para contar essa história de maneira digna, Marianna tinha que entender com profundidade o tema. Foi Fafá de Belém quem disse: "você precisa conhecer irmã Marie Henriqueta". Aos 64 anos, a freira da Congregação de Nossa Senhora Menina é referência no combate à exploração sexual de crianças e adolescentes e está há mais de uma década incluída no programa de proteção aos defensores dos direitos humanos.

"Nunca me esqueço da primeira vez do nosso encontro. Para mim, foi surpreendente", lembra a ativista. Por conta de sua atuação, ela é abordada com frequência para reportagens, trabalhos acadêmicos e pesquisas, mas o contato com Marianna e Carolina foi diferente desde o início, quando elas chegaram no munícipio de Melgaço com materiais didáticos para crianças da região. "Aquilo me reportou para uma reflexão: dali nascia algo sério", diz.

A partir daí, a relação cresceu, e Henriqueta ou a ter um papel fundamental como uma espécie de consultora do filme. Por meio dela, Marianna conheceu o delegado Rodrigo Amorim, de 39 anos, atual superintendente da Região do Marajó Oriental, que ou a colaborar com a produção do filme - uma cena do longa em que policiais fazem uma abordagem durante a travessia da balsa é diretamente inspirada por uma situação vivida por ele e irmã Henriqueta.

O policial explica que não é sempre fácil confiar em quem vem pedir informação: "Uma preocupação que eu e a irmã temos é de não contribuir com algo que vai desfocar da realidade. Eu moro no Marajó há 11 anos, eu sei o que de fato acontece lá".

O estado do Pará tem um dos piores índices de abuso e exploração sexual contra crianças e adolescentes do Brasil, com uma taxa de 3.648 casos, bem acima da média nacional de 2.449, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A situação se agrava no Marajó, onde o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um dos piores do Brasil.

Em 2023, o Governo Federal lançou o programa Cidadania Marajó como enfrentamento à exploração de crianças e adolescentes na região. O projeto substituiu o Abrace Marajó, criado por Damares Alves, enquanto a senadora era ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo Bolsonaro.

A ex-ministra esteve envolvida em polêmicas por, durante a campanha eleitoral de 2022, proferir falas consideradas sensacionalistas sobre os crimes contra menores na Ilha do Marajó. Em setembro de 2023, a Procuradoria da República no Pará pediu que a senadora fosse condenada a pagar R$ 2,5 milhões de indenização por denúncias infundadas. Lembre o caso aqui.

Personagem inspirada por histórias reais 2v1t61

As polêmicas e a desinformação que cercaram o arquipélago nos últimos anos fez com que Marianna, Rodrigo e a irmã Henriqueta precisassem desenvolver uma relação de confiança e escuta atenta.

A diretora lembra que a dupla esteve presente em uma primeira leitura do roteiro, o que foi fundamental para que a trama fosse o mais fiel possível à realidade. "Nós nos preocupamos em trazer humanidade para todos os personagens, e eles eram nossos balizadores", diz a cineasta.

A colaboração e o trabalho dos dois inspirou uma personagem de Manas, a delegada Aretha, interpretada por Dira Paes. "Eu não lembro muito que eu seria uma inspiradora para o filme. Acho que elas foram trabalhando isso de forma muito pedagógica para que eu não soubesse. Eu só lembro que uma vez eu estava com Dira e ela disse: 'vem surpresa por aí'", lembra a irmã Henriqueta.

Durante a leitura do roteiro, ela e o delegado Rodrigo começaram a perceber que Aretha seria uma espécie de mistura do trabalho dos dois. Na trama, ela conhece Marcielle quando a jovem tenta fazer um documento de identidade com nome da irmã, e tem um papel fundamental em ajudar a menina a entender que está ando por uma situação de abuso.

"Tudo que o filme traz me reporta para o que eu faço hoje. Quando veio as imagens, as cenas na balsa... eu vivi tudo aquilo. Chorei porque eu lembrei de tudo que aconteceu no ado", diz irmã Henriqueta. O delegado completa: "Ficamos muito emocionados porque vimos no filme muitas situações que a gente de fato vivenciou retratadas de maneira muito fidedigna."

A escolha de não mostrar 4zs4p

Uma das escolhas primordiais de Marianna foi a de não mostrar a violência em tela. "?Isso foi determinante para mim desde o início da escritura do roteiro. É uma violência que não deveria acontecer, então como que eu vou filmá-la? Como que eu vou reproduzir uma cena de algo que é inissível?", explica ela.

Para a cineasta, isso não tira a força do filme, "porque ele faz você sentir", a partir dos silêncios e sons, usados para criar um mergulho sensorial no espectador. "Como que você não sai transformado depois de viver uma experiência ao lado dessa menina, enquanto ela está vivendo uma das maiores violências que uma pessoa pode ar?"

A sensibilidade em tratar o tema desta forma tem sido elogiada desde a primeira exibição no Festival de Cinema de Veneza, em setembro de 2024. Na ocasião, o longa fez parte da mostra paralela Jornada dos Autores, da qual Marianna saiu com o prêmio máximo, o GDA Director's Award.

Na divulgação do prêmio, o júri disse que Manas conquistou corações ao "abordar com cuidado o tema extremamente sensível e difícil do abuso, tanto em contextos domésticos como em contextos mais sistemáticos. Embora o cenário da ilha de Marajó ainda não fosse conhecido, a diretora retratou algo tão universal, que cada um de nós poderia se conectar profundamente."

Marianna lembra que a deliberação foi pública, algo muito raro, e que foi bonito ver os dez jurados de diferentes lugares da Europa, sob a liderança da cineasta britânica Joanna Hogg, argumentando como o filme os impactou: "Foi muito tocante, isso me mostrou a potência dessa história. O quanto que ela é universal. E isso vem ecoando ao longo do percurso do filme pelo mundo."

Em meio à estreia no Brasil, a cineasta vai receber o prêmio Women In Motion Emerging Talent, do Festival de Cinema de Cannes, que ocorre até o dia 24 de maio no sul da França. A premiação é dedicada a talentos femininos emergentes e é sempre escolhida pela vencedora anterior - no caso, a cineasta Amanda Nell Eu, da Malásia. Marianna vai receber 50 mil euros para financiar seu próximo projeto.

"Quando?escuto uma pessoa dizer: 'Obrigada por não mostrar a violência. Obrigada pela sua delicadeza pela sua sensibilidade'. Isso é o maior reconhecimento", diz a diretora. "Eu acredito que a gente só pode transformar através da empatia. Isso é algo que Henriqueta e Rodrigo falaram: a delicadeza com o qual eles tratam essas crianças. É necessário o abraço e o acolhimento. Isso foi um fio condutor."

A irmã Henriqueta diz que o reconhecimento desse trabalho é uma das coisas mais especiais de ver o filme no mundo. "Eu vim com a gratidão porque finalmente alguém teve a coragem de colocar e estender isso para que todas as pessoas saibam que existem também mulheres e homens corajosos. Enfrentar a violência na nossa região amazônica é também ter a capacidade de dizer diariamente para si: a vida pertence a quem se atreve. E eu nasci com esse propósito de enfrentar."

"A irmã Henriqueta se atreve há mais de 40 anos. Delegado Rodrigo se atreve há 11 anos lá no Marajó, a Marcielle se atreveu a quebrar esse ciclo", diz Marianna, ecoando as palavras da freira. "Eu espero que o Manas inspire, que essa mensagem de coragem, de quebrar os silêncios, da necessidade de transformação, que ela ecoe pelo Brasil e pelo mundo."

Estadão
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