Fernanda Torres é totalmente histórica, mesmo perdendo Oscar de Melhor Atriz 3m3549

Fernanda Torres não levou o Oscar de Melhor Atriz neste domingo, 2, mas já é totalmente histórica. A vencedora foi Mikey Madison, por Anora. Apenas com a indicação, a artista se tornou a segunda brasileira na história a ser indicada na categoria. A primeira foi a mãe, Fernanda Montenegro.  4s3b1f

Desejada com expectativa máxima pelos brasileiros, a vitória de Fernanda Torres acabou não acontecendo, mas ela enfrentava um páreo duro. Além de Madison, a brasileira concorreu ao lado de nomes como Demi Moore, por A Substância, Cynthia Erivo, pelo musical Wicked e a polêmica Karla Sofía Gascón, por Emilia Pérez.

Mesmo sem a estatueta como Melhor Atriz, o dia continuou sendo dela. Em pleno domingo de carnaval, os olhos dos brasileiros se voltaram para a atriz que deu vida a uma personagem sofrida, nada óbvia e muito complexa, que atuou e combateu parte da história obscura do Brasil: Eunice Paiva. 

Essa não é a primeira vez que Fernanda Torres consegue um feito importante para o Brasil no cinema mundial, apenas com Ainda Estou Aqui. Em janeiro de 2025, ela se tornou a primeira brasileira a ganhar um Globo de Ouro na história.

A artista concorreu na categoria de Melhor Atriz de Drama, ao lado de nomes como Nicole Kidman e Tilda Swinton. Em 1999, a 'Fernandona', sua mãe, chegou a concorrer na mesma lista, mas não levou. 

"Quero dedicar esse prêmio à minha mãe. Vocês não têm ideia. Ela esteve aqui há 25 anos. E isso é uma prova que a arte pode durar pela vida", disse Torres em seu discurso. "Eu vivi para ver isso", se emocionou Fernanda Montenegro, aos 95 anos, em declaração posterior. 

Atriz 360º e escritora adaptada para a TV 254t

Aos 59 anos, Fernanda Torres já experimentou de tudo na arte. Atuou em novelas e séries de comédia na TV Globo, participou de filmes prestigiados, peças de teatro marcantes e escreveu alguns livros - um deles, Fim, foi adaptado para a Globoplay. 

O caminho artístico da brasileira parecia inevitável. Filha de Fernanda Montenegro e o diretor Fernando Torres, Nanda, como chama a mãe, nunca fugiu do destino. No programa Conversa com Bial em 2017, ela revelou que não se intimidou pela carreira brilhante dos pais. 

“Sendo filha de quem é, decidir ser atriz, quando você olhava no espelho, o que você via">Já no cinema, a atriz participou dos elencos de produções prestigiadas, como A Marvada Carne, de 1985, pelo qual levou o prêmio de melhor atriz no Festival de Gramado, Eu Sei Que Vou Te Amar, de 1986, quando foi eleita melhor atriz nos Festivais de Cinema de Cannes e de Cuba, além de Terra Estrangeira, de 1996, dirigido por Walter Salles, o mesmo diretor de Ainda Estou Aqui.

'Hécuba não chora, Nanda' c5me

Pela trajetória de tirar o fôlego, além de impressionantes 38 prêmios internacionais, parece que Ainda Estou Aqui estreou há muito tempo. Na verdade, a produção dirigida por Walter Salles foi exibida pela primeira vez em setembro de 2024, no Festival de Veneza. Na ocasião, a montagem brasileira chegou a ser aplaudida de pé por 10 minutos.

Estrelado por Fernanda Torres, o primeiro longa-metragem do Brasil a ser indicado para a categoria de Melhor Filme na história retorna a um momento duro do País.

O filme é uma adaptação de um livro biográfico homônimo de Marcelo Rubens Paiva que conta a história do desaparecimento de seu pai, o engenheiro Rubens Paiva, e a luta de sua mãe, Eunice Paiva, por respostas.

Em 1971, o patriarca da família foi levado à interrogatório, torturado e morto pela Ditadura Militar. Eunice, mãe de cinco filhos, esperou por muito tempo que o marido voltasse para casa, mas viu sua vida revirada do avesso pela repressão e crueldade do regime. 

Para construir uma personagem tão complexa, Fernanda conta que recorreu à mãe. Em entrevista a um portal de notícias internacional, a atriz revelou o conselho que recebeu de Montenegro. 

"Uma vez, minha mãe me disse: ‘Sabe, Nanda? Em uma tragédia, se você vai fazer Hécuba ou Antígona, você não pode chorar. Quero dizer, se Hécuba começa a chorar na primeira má notícia que recebe, no final vai parecer uma barata. Então, Hécuba enfrenta a tragédia'", relembrou. A personagem da mitologia grega citada por 'Fernandona' é uma figura trágica que testemunhou a morte de seu marido e filhos. 

'Diva pé no chão' a4j5w

A tragédia familiar dos Paiva sob o olhar de Eunice comoveu espectadores ao redor do mundo. Em sua critica, a revista americana Variety exaltou a narrativa da personagem de Fernanda Torres na história.

"A desenvoltura de Eunice em criar seus filhos e começar de novo, apesar de sua enorme dor e da cruel negação do destino de seu marido pelas autoridades, tornam-se a espinha dorsal de uma história de sobrevivência e coragem silenciosa", escreveu. 

Em fevereiro, a atriz também ganhou uma matéria especial do Hollywood Reporter que exaltava: "Fernanda Torres já ganhou". 

No texto, o veículo chama a brasileira de "diva pé no chão" e palpita que "Fernanda Montenegro, de 95 anos, talvez seja a única atriz mais lendária que sua filha no país sul-americano". A mãe de Fernanda Torres aparece brevemente em Ainda Estou Aqui, no papel de Eunice Paiva na velhice.

Uma semana antes do Oscar, o jornal norte-americano The New York Times também tinha projetado uma possível vitória da artista. "Ela está recebendo muitos votos dos membros da Academia que agora estão se atualizando com seu filme. Com as coisas tão estreitas entre [Demi] Moore e [Mike] Madison, pergunto-me se os eleitores não ficarão tentados a escolher Torres como uma terceira alternativa. Ainda assim, qualquer uma dessas mulheres pode vencer", dizia o trecho. 

'Sou pessimista por natureza' 553i4j

Mesmo com a tensão e correria durante a temporada de premiações, Fernanda Torres não deixou o bom humor de lado e deu declarações espirituosoas à imprensa. Quando a lista dos indicados ao Globo de Ouro saiu, em dezembro do ano ado, ela celebrou o feito nas redes sociais. 

"Inacreditável! E Walter, 25 anos depois dele com a minha mãe... realmente, a vida presta", comemorou. A icônica frase final, aliás, virou até estampa de camiseta e fantasia de carnaval. 

No dia da premiação, Fernanda ainda chegou a chamar a indicação de "milagre". "Não é um milagre? Mesmo agora, estar aqui [no Globo de Ouro] com este filme. Outro dia, vi Judi Dench dizendo que você precisa ter muita sorte nesse negócio, e acho que ela está certa”, disse em entrevista a revista norte-americana W.

Apesar de bem humorada, a brasileira preferiu manter os pés no chão em meio a expectativa para a indicação ao Oscar. Pouco antes do anúncio oficial dos indicados, a intérprete de Eunice Paiva revelou ao programa de rádio Weekend, da BBC, que não nutria esperanças. 

"Se eu conseguir um lugar na base 1 do Everest, eu ficarei mais que satisfeita, mas ganhar...", brincou.

Para evitar ansiedade na hora da divulgação da lista dos indicados ao Oscar, ela pensou em uma estratégia: não acompanhar a trasmissão. 

“Eu resolvi não assistir, inclusive, porque o meu nome é Torres, eles vão em ordem alfabética pelo sobrenome e o meu vem sempre no fim […] Eu estava no meu quarto. Andrucha [Waddington, esposo] e Joaquim, meu filho, subiram e falaram: ‘Nanda, rolou'”, contou à GloboNews.

Grata com a indicação histórica, Fernanda sempre fez questão de destacar que o feito já era uma vitória, principalmente por ser um filme inteiramente falado em português e produzido no Brasil. A todo momento, a atriz também ressaltou a luta dos Paiva em meio à Ditadura Militar.

"Quem está movendo isso tudo é uma mulher chamada Eunice Paiva. Ela lutou com amor e sorriso. Uma mulher gigante. A família Paiva merece tudo isso", disse a brasileira, em entrevista à GloboNews.