
Karim Aïnouz, diretor de 'Motel Destino' e 'Madame Satã', revela planos para o futuro 2e4z30
Aplaudido no Brasil e no cenário internacional, o diretor cearense cita os filmes que mudaram sua vida e são inspiração para suas obras p5o2d
Como esse cara propõe algo tão absurdo"> 31723y
A ideia original de Motel Destino era fazer um filme sobre uma geração que não adentra no mundo econômico. Entrevistamos mais de 20 meninos que estavam inseridos em centros socioeducativos, a maioria do Ceará. E uma coisa que me assombrava enquanto escrevia o roteiro é a questão do desamparo dessa geração.
Esse “desejo do encontro” é uma marca dos personagens dos filmes anteriores de Aïnouz: a mãe solo deixada pelo marido em “O Céu de Suely” (2006), o namorado abandonado e desnorteado em “Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo” (2009), irmãos e irmãs separados em “Praia do Futuro” (2014) e “A Vida Invisível” (2019) e os jovens sequestrados do próprio futuro em “Madame Satã” (2002).
Um diagnóstico o levou para a telona 40k2j
A história de Karim com o cinema também é improvável. Na faculdade de arquitetura, o estudante inquieto já demonstrava incompatibilidades com o tempo necessário para construir obras de concreto. Em 1987, decidiu estudar História da Arte em Nova York. Tinha só 21 anos.
Na época, o diagnóstico de uma doença rara chamada ceratocone, resultado de uma deformação na córnea, o levou a mudar de rumo. O medo de perder a visão criou uma espécie de obsessão por “roubar imagens” -- ou seja, criar registros visuais de tudo o que via, como contou em uma entrevista para o Canal Brasil. “Eu fiquei apavorado (com o diagnóstico). E tinha essa sensação de que não poderia mais ver. Minha aproximação com o cinema começa, na prática, com uma vontade de fazer algo depois de ar dois, três anos escrevendo sobre cinema e história da arte. Era uma necessidade”, revelou. Fez pósgraduação em cinema pela New York University e ou a atuar como produtor no mercado cinematográfico independente da cidade.
Quando percebeu, estava trabalhando como assistente de elenco, iluminação e montagem do filme “Veneno” (1991), de Todd Haynes. E, com o diretor californiano, descobriu que era possível fazer cinema barato e com “contundência”.
A experiência o levou a finalizar um material que havia sido gravado em uma viagem ao Brasil. Ele havia comprado uma câmera Bolex, rolos de 100 pés de negativo e filmado a avó, separada desde os 23 anos, e as quatro irmãs dela em Super 8. O resultado foi o curta-metragem “Seams”, que ficou pronto em 1993 e se tornou um ensaio sobre o machismo no Ceará.
Madame Satã e o prestígio 3q5o
Ele faria outros trabalhos experimentais antes de escrever o roteiro de “Madame Satã” (2002), que se destacou no festival de Sundance, a meca do cinema independente dos Estados Unidos. Levado para as telas, aquele roteiro catapultou a carreira de Lázaro Ramos e colocou Karim na prateleira dos realizadores responsáveis pela retomada do cinema nacional no início do século. Ele tinha a companhia do recifense Marcelo Gomes (de “Cinema, Aspirinas e Urubus”) e do soteropolitano Sérgio Machado (do aclamado “Cidade Baixa”).
“O denominador comum entre esses diretores é a mesma fome de cinema e a vontade de falar de um país chamado Brasil de tantas formas quantas o cinema permita. Isto nos aproxima da quinta geração de cineastas chineses ou do cinema iraniano, que também não fazem cinema de gênero; fazem filmes pelo desejo de fazer filmes”, disse Walter Salles sobre essa turma, em entrevista à Folha de S.Paulo nos anos 90. O texto de “Madame” já havia chamado a atenção de Walter, que convidou Karim para roteirizar com ele “Abril Despedaçado” (2001).
Aïnouz voltaria, nos anos 2000 e 2010, a filmar na terra natal e produzir alguns dos mais belos registros do cinema nacional recente. “O Céu de Suely”, por exemplo, conta justamente a história do nordestino, a Suely do título, vivida por Hermila Guedes, de volta ao seu lugar de origem. “É um filme que fala de um Brasil possível de novo. É a história de um porvir”, resume o diretor, que vive há mais de uma década em Berlim.
O destino em um motel 3k2f5e
Em 2023, a temporada europeia foi interrompida com um novo retorno à terra natal. Dessa vez para as filmagens, em Beberibe (CE), de “Motel Destino”. A cidade de 53 mil habitantes ficou, assim, quase um ano sem frequentar o único motel das redondezas. Mas parou orgulhosa para ver os artistas de perto, como Fábio Assunção, o vilão contraditório da história, e Nataly Rocha.
No motel, o diretor descobriu uma infinidade de possibilidades de locação. E um registro de um país confinado, violento e em busca da sobrevivência. Karim descreve Heraldo, o protagonista da história, vivido por Iago Xavier, como uma pessoa “despida e em absoluto desamparo”, sem pai, mãe ou lugar para morar. O filme se tornou uma história sobre a urgência de viver. E Heraldo, um símbolo de resistência. “Nunca pensamos em fazer um filme que retratasse o momento pós-pandemia. Isso não cruzou o nosso consciente quando fizemos ‘Motel Destino’ mas estava muito presente no inconsciente”, afirma. Segundo ele, o cinema é capaz de capturar, mais do que imagens, a essência de personagens e de sua época.
Para o diretor, sua arte é uma forma de contar histórias extremas sem deixar de conquistar o público. É o que o leva a voltar sempre a outro filme que o marcou como espectador: “Imitação da Vida” (1959), de Douglas Sirk -- obra que inspirou “A Vida Invisível”, filme aplaudido e laureado em Cannes em 2019 com o Prêmio Um Certo Olhar, inédito para o cinema brasileiro. “O filme de Sirk fala de questões profundas. Preconceito, racismo, escravidão. Mas é ao mesmo tempo muito sedutor visualmente. Por isso eu quis que ‘A Vida Invisível’ fosse um filme lindo, já que era uma história horrível. Essa fricção para mim está sempre presente nas histórias mais extremas.”
A próxima história já tem data para tomar forma. As filmagens de “Rosebush Pruning”, seu segundo longa internacional depois de “Firebrand” (2023), já aconteceram na Espanha. No elenco, estão estrelas como Elle Fanning, Elena Anaya e Pamela Anderson. O longa é inspirado no filme “De Punhos Cerrados” (1965), do italiano Marco Bellocchio, que se a em uma única casa e acompanha uma família disfuncional.
O diretor cearense ainda prepara a adaptação da peça “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues, para o cinema. O projeto é capitaneado por Maurício Mota, neto do dramaturgo, e pela atriz Viola Davis. Ambos são sócios da produtora Ashé, inaugurada em Salvador, em 2023. O longa começa a ser rodado nos Estados Unidos a partir deste ano.