“Não se trata apenas de uma pauta ou de ‘lacrar’”, diz diretora trans sobre representatividade nas séries 3p4o5r
Luh Maza, conhecida como a primeira roteirista trans e negra da TV brasileira, é uma das diretoras da série "Da Ponte Pra Lá", da Max 234169
Luh Maza é dramaturga, atriz e diretora, conhecida como a primeira roteirista trans da TV brasileira. Atualmente, ela dirige a série "Da Ponte Pra Lá" e defende a representatividade nas produções.
Quando jovem, em Olaria, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, Luh Maza sonhava em escrever novelas e contar histórias sob uma perspectiva própria. Hoje, a dramaturga, diretora e atriz tem carreira consolidada e abre espaços para que mais pessoas trans e negras ocupem as narrativas nos palcos, no streaming e na TV. 5t4r12
Ela é conhecida como a primeira roteirista trans da TV brasileira, atuando em “Sessão de Terapia”, da Globoplay. Em 2024, alcançou um novo patamar: é uma das diretoras da série "Da Ponte Pra Lá", disponível na plataforma Max. O drama investigativo acompanha uma jovem periférica que investiga a morte do melhor amigo, um rapaz trans.
Na frente das câmera e por trás delas, Luh avalia que a representatividade é mais que um discurso. “Para mim, não se trata apenas de uma pauta ou de ‘lacrar’, mas sim de como mostramos quem nós enfocamos na ficção e como podemos questionar e inspirar a realidade”, diz a diretora, em entrevista ao Terra NÓS.
Confira abaixo a entrevista em que Luh fala sobre o investimento nas temáticas ligadas às identidades, suas principais referências e novos projetos.
Terra NÓS: Como é estrear na direção de uma série?
Luh Mazza: Estrear na direção de uma série do tamanho de "Da Ponte Pra Lá" é muito estimulante para mim, que sou múltipla e inquieta no ofício de artista. Já tenho uma longa trajetória dirigindo no teatro e alguns filmes publicitários, mas encarar uma série para uma plataforma internacional como a Max é uma experiência completamente diferente.
Mantive minha compreensão da dramaturgia e minha sensibilidade na direção de atores, habilidades que adquiri ao longo dos 20 anos no teatro, como trunfos, mas aprendi muito sobre como traduzir minha visão para toda a equipe, lidando com os diversos setores técnicos envolvidos no audiovisual.
Trabalhar na transmutação da performance real do set para como ela surge na tela é algo mágico. Apesar dos desafios constantes e imprevisíveis, estou muito empolgada e orgulhosa do que conseguimos realizar como equipe neste projeto.
O que te impulsionou a trabalhar a representatividade em "Da Ponte Pra Lá"?
A sinopse foi criada por profissionais da produtora livremente inspirados em casos da realidade e na desigualdade social em São Paulo. Os protagonistas, Ícaro e Malu, são afetados por serem quem são: pretos, moradores da periferia e jovens criativos, sendo ela uma rapper empoderada e ele um homem trans com talento para a moda.
Como única mulher negra e pessoa trans entre os roteiristas e diretores, fiz questão de resguardar eticamente a obra para garantir uma representatividade genuína. Claro, dentro dos limites que me permitiam!
É essencial que a representatividade esteja presente tanto na frente das câmeras com os atores – como por exemplo o Victor Liam, nosso protagonista – e também atrás delas.
Tivemos a colaboração do Phelipe Caetano como consultor, mas espero mais profissionais transmasculinos como autores-roteiristas e diretores.
Sendo uma mulher trans e negra, de origem suburbana, você imaginou ocupar os espaços que tem ocupado hoje">Antes do movimento Black Lives Matter, em 2013, o audiovisual brasileiro tinha raríssimos negros estabelecidos. Conquistamos avanços, eu mesma represento essa transformação.
Porém, hoje, mais do que inclusão, questiono se os profissionais negros e trans têm garantida à continuidade de seus trabalhos.
Você acredita que a TV e o audiovisual em geral têm ampliado o debate sobre raça no Brasil? Há mais narrativas diversas nas telas?
Sim, especialmente após movimentos como o Black Lives Matter e o Me Too. No Brasil, vimos um florescimento de narrativas diversas, impulsionado principalmente por mulheres realizadoras, criando uma "primavera negra" no audiovisual.
A transgeneridade também começou a receber alguma atenção, crucial para naturalizar nossa existência na sociedade. Contudo, estamos enfrentando [no setor do audiovisual] uma "ressaca" dessas temáticas, especialmente no contexto político polarizado de governos que atacaram a cultura e minorias sociais, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
E então o que festejamos antes vira sinal de alerta com a diminuição de investimentos em projetos com temáticas ligadas às identidades.
Quais são suas referências na arte?
Sou eclética, dos clássicos à cultura pop. Hilda Hilst foi minha escritora de formação, junto com Clarice Lispector, José Saramago e Haruki Murakami. Atualmente, Conceição Evaristo e Camila Sosa Villada me representam muito.
O teatro de Samuel Beckett, Sarah Kane e Alcides Nogueira me inspiraram. E na TV, iro Michaela Coel, Issa Rae e Janet Mock, esta última pioneira como roteirista trans e negra norte-americana e que tem transcendido essa temática em uma carreira sólida como roteirista, diretora e produtora executiva.
No Brasil, sempre tivemos grandes escritores na TV como Dias Gomes, Janete Clair, Benedito Ruy Barbosa, Gilberto Braga e Silvio de Abreu.
Atualmente, gosto muito do que vejo nas novelas da Rosane Svartman, Lícia Manzo e João Emanuel Carneiro, e nas séries estamos em um grande momento, adoro as histórias dos meus colegas Renata Martins, Jaqueline Sousa, Julia Spadaccini e Lucas Paraizo [criador da série “Os Outros”], por exemplo.
Quais são seus planos futuros na TV, streaming ou cinema?
No segundo semestre, o longa antológico "Insubmissas", do qual eu dirigi o curta "Nada Somos", será lançado em festivais, assim como estreia na Netflix a minissérie "Candelária", que participei da sala de roteiro.
Também já entreguei a adaptação de "Torto Arado" para o diretor Heitor Dhalia. Como atriz, tem a estreia de "Uma Família de Sorte", filme de Viviane Ferreira.
O mais importante é que tenho buscado e conseguido integrar meus talentos como autora-roteirista, diretora e produtora executiva para ser reconhecida como uma 'showrunner' capaz de liderar criativamente projetos que tenham algo de novo e importante para contar para o público.
Sobre o futuro a médio prazo, ainda quero escrever uma novela e assim realizar aquele meu sonho de criança.