BRICS: Brasil tem posição de liderança em tempos de múltiplas crises globais 7353l
Conflitos armados, mudanças climáticas, fragilidades no sistema global de saúde e desregulamentação das tecnologias digitais estão entre os desafios que a presidência do Brasil no grupo está enfrentando 70pe
Em 2025, o Brasil exerce a presidência rotativa do BRICS e sediará sua cúpula nos dias 06 e 07 de julho, no Rio de Janeiro. No mesmo ano em que será também anfitrião da COP 30 em Belém, consolidando uma sequência inédita de liderança em fóruns multilaterais iniciada com a presidência do G20 em 2024. Esse alinhamento reforça o protagonismo diplomático brasileiro em pautas centrais como desenvolvimento, paz, clima e reforma da governança global — com a luta contra as desigualdades estruturais como eixo transversal. 1e5c6d
Como um dos países fundadores do BRICS, ao lado de Rússia, Índia e China, o Brasil tem desempenhado papel fundamental na construção e consolidação do agrupamento. A África do Sul ou a integrar o bloco em 2011. Em 2023, foi anunciada sua maior expansão, com a entrada do Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Arábia Saudita — embora, no caso desta última, a adesão ainda aguarde formalização. Já em 2025, o primeiro ato da presidência brasileira foi a formalização da entrada da Indonésia. Além dos membros plenos, o BRICS ou a contar com 9 países parceiros: Belarus, Bolívia, Cazaquistão, Cuba, Malásia, Nigéria, Tailândia, Uganda e Uzbequistão.
Sob o lema "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança mais Inclusiva e Sustentável", o Brasil estruturou sua atuação em seis eixos prioritários: facilitação do comércio e investimentos; reforma das instituições multilaterais de paz e segurança; enfrentamento às mudanças climáticas; governança da inteligência artificial; fortalecimento institucional do BRICS; e cooperação Sul-Sul com foco em saúde global.
Cenário desafiador de múltiplas crises 606t2
O cenário em que se realiza essa Cúpula é, no entanto, desafiador. Vivemos um tempo de policrises: conflitos armados em Gaza e na Ucrânia, uma nova corrida armamentista, agravamento da crise climática, instabilidade econômica internacional, fragilidades persistentes nos sistemas de saúde global e riscos crescentes associados à desregulamentação das tecnologias digitais.
Soma-se a isso a reconfiguração do comércio global, impulsionada por uma guerra tarifária deflagrada pelo governo Trump, que impôs tarifas unilaterais e chegou a ameaçar os países do BRICS com tarifas de 100%, caso avancem na pauta da "desdolarização".
Em um mundo marcado por polarizações crescentes e sanções econômicas unilaterais, o BRICS emerge como uma alternativa de diálogo multilateral, com ênfase na construção de uma ordem multipolar — em suas dimensões econômica, financeira e geopolítica.
Diante de tudo isso, o Brasil procurou estruturar sua presidência em torno de prioridades que dialogam diretamente com os dilemas contemporâneos. A facilitação do comércio e dos investimentos, por exemplo, visa enfrentar os obstáculos impostos pela fragmentação das cadeias globais de valor e pelas políticas protecionistas, promovendo maior integração produtiva e monetária entre os países do BRICS.
O objetivo, segundo o governo brasileiro tem deixado claro, não é substituir o dólar, mas ampliar o uso de moedas locais e mecanismos financeiros mais íveis e transparentes — um tema que ganha urgência diante das ameaças tarifárias unilaterais e da crescente volatilidade cambial.
Multilateralismo e democratização do Conselho de Segurança 251ln
No eixo voltado à reforma das instituições multilaterais de paz e segurança, o Brasil reafirma sua reivindicação histórica pela democratização do Conselho de Segurança das Nações Unidas. A guerra na Ucrânia, o genocídio em Gaza e os inúmeros conflitos invisibilizados escancaram as limitações de um arranjo marcado pela paralisia decisória e pela desigualdade estrutural entre os membros, onde apenas cinco países concentram o status de membro permanente com o privilégio do veto.
Diante disso, o Brasil propõe um sistema mais representativo, eficaz e sensível à diversidade das ameaças globais. Nesse esforço, o BRICS é visto como um espaço legítimo de construção de confiança, diálogo político e alternativas multilaterais aos imes da atual ordem internacional — mas não como substituto da ONU, cuja centralidade e universalidade continuam sendo fundamentais para a arquitetura global de paz e segurança.
Mudanças climáticas e IA 4z702z
No eixo da mudança do clima, a proposta brasileira é posicionar o BRICS como liderança coletiva na construção de uma agenda climática justa e financeiramente viável. Às vésperas da COP30, a presidência brasileira propõe a adoção de uma Declaração-Quadro dos Líderes sobre Financiamento Climático, bem como ações concretas voltadas à cooperação tecnológica, contabilização de carbono e sinergias entre comércio e transição ecológica.
Essa ambição, no entanto, convive com contradições internas, como a hesitação do governo em relação à exploração de petróleo na Margem Equatorial e a entrada no bloco de grandes produtores fósseis, como Arábia Saudita, Irã e Emirados Árabes Unidos. Ao mesmo tempo, os países do BRICS são detentores de vastas reservas de minerais críticos e de capacidade financeira, podendo desempenhar papel estratégico na viabilização de tecnologias para a transição energética. Nesse processo, o Novo Banco de Desenvolvimento, criado em 2014, deve ter atuação central, por meio da adoção do financiamento de projetos de infraestrutura sustentável.
A governança da inteligência artificial, por sua vez, emerge como um eixo transversal e estruturante. Diante do avanço acelerado das tecnologias digitais e dos riscos de concentração e discriminação algorítmica, o Brasil propõe uma abordagem centrada em direitos e soberania digital. A ideia é promover uma regulação inclusiva, que reflita a diversidade cultural dos países do Sul Global, incentive a transferência de tecnologia e enfrente as assimetrias de poder em relação às grandes empresas que hoje dominam o setor.
Cooperação em saúde e desigualdade 2c34t
A cooperação em saúde global — com foco no combate às doenças negligenciadas e socialmente determinadas — recoloca no centro da agenda questões de pobreza, desigualdade e justiça racial. Essas enfermidades, associadas a condições de vida precárias, atingem de forma desproporcional populações vulnerabilizadas e racializadas.
A pandemia de COVID-19 evidenciou a urgência de respostas coordenadas e solidárias. Diante disso, o Brasil propõe, no âmbito do BRICS, a criação de uma aliança internacional para a eliminação dessas doenças, por meio de investimentos em pesquisa, produção de vacinas e medicamentos e fortalecimento dos sistemas públicos de saúde. A cooperação Sul-Sul é essencial nesse processo, sobretudo considerando que os países do BRICS concentram cerca de 40% dos casos globais de tuberculose e parte significativa da carga das doenças tropicais negligenciadas..
Protagonismo do Brasil 6i6hs
É nesse contexto que se insere a recente expansão do BRICS — um movimento que, ao mesmo tempo em que amplia a representatividade global do grupo, impõe novos desafios políticos e institucionais. Conduzida em grande parte pela China e pela Rússia, em busca de novos aliados geopolíticos e comerciais, a ampliação provocou um embate de visões no âmbito da diplomacia brasileira.
Para alguns setores, o aumento expressivo no número de membros poderia diluir o protagonismo do Brasil no bloco e comprometer a capacidade de influência do agrupamento, especialmente considerando que suas decisões são tomadas por consenso — o que torna a coesão interna um fator central para a eficácia do agrupamento. Diante dessas preocupações, o fortalecimento institucional do BRICS tornou-se uma das seis prioridades definidas pela presidência brasileira, que tem defendido uma ampliação disciplinada e orientada por parâmetros claros.
A proposta do Brasil é assegurar que os novos integrantes sejam devidamente socializados às práticas, dinâmicas e procedimentos do agrupamento, de forma a preservar a coesão política e a capacidade de ação do bloco.
Por outro lado, a ampliação do grupo demanda a construção de novos arranjos de governança que integrem os novos membros sem reproduzir estruturas excludentes. A criação da categoria de "país parceiro" — aprovada em 2024, durante a Cúpula de Kazan — gerou questionamentos sobre a existência de diferentes níveis de pertencimento dentro de um agrupamento que historicamente defende a igualdade soberana entre os países. Essa preocupação foi levantada pelo Dossiê organizado pela Rebrip (Rede Brasileira pela Integração dos Povos) que alertou para o risco de consolidação de assimetrias internas e para a contradição entre a proposta de democratização da governança global e a adoção de hierarquias formais dentro do próprio bloco.
Função social 2c1e1
Um dos aspectos inovadores da presidência brasileira é o fortalecimento do pilar social do BRICS, denominado "people-to-people", voltado à participação ativa de movimentos sociais, academia, juventude, setor empresarial, governos locais, sindicatos e outros atores na construção de propostas para o BRICS. Pela primeira vez, esse segmento teve a oportunidade de apresentar suas recomendações diretamente em uma reunião oficial dos negociadores-chefe (sherpas) do agrupamento, estabelecendo um precedente importante para a institucionalização de práticas mais inclusivas no bloco.
A experiência do BRICS Think Tanks Council (BTTC), liderado no Brasil pelo IPEA, exemplifica esse processo: uma série de oficinas temáticas organizadas ao longo do primeiro semestre reuniu representantes de organizações da sociedade civil, de think tanks e gestores públicos para discutir os eixos definidos pela presidência brasileira. O resultado foi a elaboração de um conjunto de recomendações substantivas entregues aos negociadores oficiais — abordando temas como a reforma da arquitetura financeira internacional, justiça climática, saúde global e governança da inteligência artificial.
Ainda que esses avanços sinalizem um compromisso crescente com a escuta de vozes plurais, o caminho para consolidar a participação social como dimensão estruturante da governança do BRICS está longe de concluído. Faz-se necessário criar mecanismos permanentes, transparentes e inclusivos de interlocução com os sherpas e fortalecer o protagonismo dos movimentos sociais como condição para que o BRICS avance como projeto verdadeiramente democrático e transformador.
Os autores não prestam consultoria, trabalham, possuem ações ou recebem financiamento de qualquer empresa ou organização que se beneficiaria deste artigo e não revelaram qualquer vínculo relevante além de seus cargos acadêmicos.