Ucrânia: guerra provoca maior êxodo na Europa em 22 anos 2d3t4b
Repórter acompanha viagem de trem de centenas de ucranianos em fuga para a Polônia; em três dias, mais de 150 mil já deixaram o país 3y6x43
A professora Mariia Fediaieva, de 34 anos, deixou pai e mãe na bombardeada cidade ucraniana de Kherson. Foi um pedido desesperado dos pais. "Precisei fugir sozinha. Meu pai tem problemas nos joelhos e não consegue andar. Minha mãe ficou para cuidar dele. Só posso rezar para que sobrevivam", disse ao Estadão, em uma viagem de 24 horas de trem de Kiev a Varsóvia. "O centro da cidade em que eu cresci está destruído. Um pouco de mim já morreu nesta guerra", acrescentou, com a voz chorosa. 2y5t3j
Mariia é uma entre milhares de refugiados que tornam a guerra da Rússia com a Ucrânia o estopim do maior êxodo de refugiados desde os conflitos nos Bálcãs, no fim dos anos 1990. A última vez que um enfrentamento interno na Europa provocou tamanha onda de refugiados foi em 1999, no Kosovo, com a fuga de 1,5 milhão de pessoas. Um relatório do Pentágono indica que a invasão russa na Ucrânia poderia levar quase 5 milhões de pessoas a deixar o país: a maior crise humanitária no continente desde a 2.ª Guerra.
Segundo a ONU, em apenas três dias de conflito, mais de 150 mil pessoas já deixaram a Ucrânia.
A nova legião de ucranianos em rota de fuga busca abrigo nos países vizinhos. Um dos principais destinos é a Polônia, para onde partem trens abarrotados de Kiev em direção a Varsóvia, capital polonesa. O Estadão acompanhou a viagem no comboio que partiu da capital ucraniana na noite de sexta-feira. Mulheres sem maridos, filhos sem pais e o medo dos próximos dias tomaram conta do trem rumo a Varsóvia. O cerco dos russos a Kiev ampliou a fuga em massa de cidadãos em busca de segurança. Houve quem deixasse a capital apenas com a roupa do corpo.
Partida 3p6112
Ainda nas plataformas da estação de Kiev, uma multidão corria em direção aos trens, deixando suas casas às pressas. Quem não conseguiu entrar nos vagões, gritou e implorou. Com o espaço aéreo fechado e as rotas de trens cada vez mais escassas, havia o receio de que as opções de fuga escasseariam.
O maquinista precisou gritar para controlar a quem tentava entrar pelas janelas. O desespero generalizado e o empurra-empurra assustavam as crianças de colo, que começaram a chorar.
Famílias separadas pela falta de vagas dividiram os alimentos: um tanto para quem vai, outro tanto para quem fica. A baixa oferta de comida em Kiev já é uma realidade. Os centros de compras e os hotéis foram abandonados pelos funcionários. Quem fica se prepara para falta de energia e água.
Na viagem de sexta-feira, dezenas se aglomeraram para embarcar às 19h na Ucrânia (14h em Brasília). O embarque ocorreu na plataforma da estação de Kiev, mas o trem só partiu às 22h, atraso provocado pela checagem de documentos nos vagões pelas autoridades ucranianas, para conferir se homens com idade para o combate não estavam fugindo.
ageiros se amontoavam nos corredores. Os vagões seguiram com as cortinas fechadas e as luzes apagadas durante todo o trajeto à noite. O motivo: evitar ser alvo de mísseis russos. Quem utilizou o celular foi criticado. "Desliguem essa luz, pelo amor de Deus. O mais importante agora é salvar vidas", ouviu-se, em inglês.
Emoção i1025
Após mais de 12 horas de fome em uma viagem em que muitos tiveram de viajar em pé ou de cócoras, a chegada na fronteira polonesa foi motivo de um choro coletivo. Em Lublin, na primeira estação na Polônia a população local entregou, pela janela do trem, alimentos e produtos de higiene pessoal para os ageiros.
O pai de Mariia, a ucraniana que fugiu sozinha a pedido da família, é russo e ela conta que tem grandes amigos no país. "Uma coisa é o governo, outra é o povo. Nem todo russo é a favor da guerra".
A dor da professora era compartilhada pelos outros ageiros. Havia quem não soubesse onde aria os próximos dias ou semanas. Havia dezenas de famílias sem pais. Homens de 18 a 60 anos estão proibidos de sair da Ucrânia pela lei marcial adotada após a invasão. O objetivo é reunir contingente para a resistência armada à invasão da Rússia, nem que isso lhes custe a vida.
Mariia quer voltar para Kherson assim que a situação se normalizar: "Eu peço ao mundo: por favor, ajudem meu país. A Rússia vai aumentar os ataques, algo precisa ser feito".
Ao lado de Mariia, a psicóloga Liz Marhaiveva limitou-se a dizer: "Eu só quero voltar para casa". Ela estava com os dois filhos em um treliche do trem.
A ucraniana Olga Lugovzka estava havia apenas três dias de volta a Kiev após ar um mês no Brasil quando ocorreu a invasão da Rússia à Ucrânia. Decidiu fugir da guerra para a Polônia, mas teve que deixar a família para trás.
"Até o último dia eu quis ficar em casa porque tenho a minha família, mas a situação só piorava e decidi sair", disse a ucraniana ao Estadão. "Deixei a minha mãe e a minha avó na Ucrânia, porque a minha avó já tem 82 anos, então não pode se movimentar facilmente. A minha mãe vai cuidar da minha avó. Mas espero que isso termine logo e eu possa regressar ao meu país para ajudar as duas".
