Trégua na guerra tarifária entre EUA e China traz novos desafios comerciais para o Brasil 48i12
Nova fase de negociações entre os dois gigantes comerciais impacta diretamente países dependentes de exportações. Mas, ao contrário do que ocorreu em fases anteriores da disputa, desta vez os sinais são mais negativos do que positivos j4p6i
Em 12 de maio de 2025, Estados Unidos e China anunciaram uma trégua tarifária inesperada. Em um acordo com validade de 90 dias, os EUA reduziram suas tarifas sobre produtos chineses de 145% para 30%, e a China cortou as tarifas sobre produtos norte-americanos de 125% para 10%. O anúncio foi feito em Genebra após negociações lideradas pelo secretário do Tesouro norte-americano, Scott Bessent, e o vice-premiê chinês, He Lifeng. 2g6q2v
A medida busca conter os danos de uma guerra comercial que vinha afetando cadeias globais de suprimento, pressionando os preços e gerando incertezas nos mercados financeiros. Para países com economias dependentes de exportações, como o Brasil, o impacto é direto. No entanto, ao contrário do que ocorreu em fases anteriores da disputa, desta vez os sinais são mais negativos do que positivos.
Durante os anos de escalada tarifária entre EUA e China, o Brasil foi beneficiado em setores como o agronegócio. A China, ao aplicar tarifas sobre produtos agrícolas norte-americanos, ampliou sua demanda por soja, milho e carne bovina brasileiros. Houve também aumento de interesse chinês por fontes alternativas de minério de ferro, celulose e petróleo. No entanto, a atual trégua retoma, ainda que de forma parcial, o o preferencial entre as duas maiores economias do mundo — e isso reduz o papel substitutivo do Brasil no curto prazo.
Um relatório recente do Valor Econômico mostra que o Brasil possui baixa sobreposição competitiva com os Estados Unidos no mercado chinês: apenas 17 produtos brasileiros competem diretamente com exportações norte-americanas para a China, representando menos de 1% do total exportado pelo Brasil ao país asiático. Isso significa que, mesmo durante a guerra comercial, o espaço de ganho foi — e agora tende a se estreitar ainda mais.
A trégua tarifária também tem efeitos sobre o posicionamento internacional do Brasil. A reaproximação entre Washington e Pequim indica que os dois países pretendem assumir novamente o protagonismo nas negociações comerciais bilaterais, deixando de lado fóruns multilaterais como a OMC. Para o Brasil, que tradicionalmente aposta em acordos dentro do sistema multilateral, esse movimento enfraquece sua capacidade de influência e aumenta o risco de marginalização.
Ainda que o Brasil tenha buscado estreitar laços com a China, como demonstra a visita do presidente Lula a Pequim, a ausência de uma estratégia clara e coordenada em política comercial limita a eficácia desses gestos diplomáticos. Por outro lado, os Estados Unidos vêm consolidando uma agenda comercial agressiva sob o segundo mandato de Trump, que inclui exigências sobre propriedade intelectual, segurança digital e desvinculação tecnológica — áreas em que o Brasil ainda é pouco propositivo.
A trégua em si não representa um acordo definitivo, mas um armistício. Ela não resolve as disputas centrais, como subsídios estatais chineses, controle de cadeias de semicondutores ou o a dados. Como destacou Wendy Cutler, ex-negociadora-chefe dos EUA, o verdadeiro teste virá com as rodadas técnicas e políticas subsequentes. Se elas fracassarem, um novo ciclo de confrontos tarifários poderá emergir — e o Brasil deve estar preparado para reagir com mais rapidez.
Nesse cenário, o país precisa adotar uma postura mais ativa. Investir em acordos bilaterais estratégicos fora do eixo sino-americano (como com Índia, Indonésia, México e União Europeia), estimular a integração regional com maior densidade econômica e posicionar-se com firmeza em fóruns globais, inclusive no G20.
Também é fundamental que o Brasil alinhe sua política comercial às agendas ambiental e de inovação. No campo ambiental, o país dispõe de uma das matrizes energéticas mais limpas do mundo, lidera na produção de biocombustíveis e possui alto potencial para gerar créditos de carbono — vantagens que, no entanto, são limitadas por uma imagem internacional deteriorada por práticas de desmatamento ilegal e pela falta de adequação aos critérios ambientais exigidos por mercados como o europeu. Na área da inovação tecnológica, o Brasil conta com uma base científica sólida e dados diversos para aplicações em inteligência artificial, mas esse potencial é enfraquecido pelo baixo investimento público e privado em escalabilidade, pela ausência de políticas industriais digitais e pela falta de presença em fóruns estratégicos como o Global Partnership on AI. Por fim, o país tem capacidade agropecuária para liderar na segurança alimentar global, mas carece de articulação diplomática eficaz para transformar essa vantagem em liderança normativa e comercial no cenário internacional.
A trégua entre Estados Unidos e China é uma pausa, não um ponto final. O Brasil não pode se acomodar à margem da disputa. É hora de se reposicionar com estratégia, coordenação e ambição internacional. Caso contrário, será apenas um observador num jogo em que os grandes já voltaram a negociar suas posições.
Armando Alvares Garcia Júnior não presta consultoria, trabalha, possui ações ou recebe financiamento de qualquer empresa ou organização que poderia se beneficiar com a publicação deste artigo e não revelou nenhum vínculo relevante além de seu cargo acadêmico.