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Série A Força da Água  Foto: Beatriz Araújo/Terra

'Não tenho planos': marcas das enchentes assombram famílias gaúchas um ano após tragédia 22142j

Em Eldorado do Sul, cidade gaúcha em que a população mais foi atingida, destruição está escancarada nas ruas e no olhar dos moradores 5t235g

Imagem: Beatriz Araújo/Terra
  • Beatriz Araujo Beatriz Araujo
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28 abr 2025 - 04h59
(atualizado em 29/4/2025 às 13h28)

A previsão era de temporal. O primeiro aviso meteorológico veio na sexta-feira, 26 de abril de 2024. No sábado, a destruição deixou seus rastros nas primeiras cidades do Rio Grande do Sul. Casos isolados. Pelo menos, essa era a impressão. Não tinha urgência. Os gaúchos não imaginavam que essa mesma água levaria consigo a vida que tinham. Até que, no dia 29, veio o primeiro alerta vermelho. A primeira inundação grave. As primeiras mortes registradas. Os primeiros pedidos de evacuação. Uma tragédia que deixou boa parte do Estado embaixo d’água. A água, que estava longe de ser cristalina, impregnou nas casas, nas histórias e segue viva nas memórias mesmo um ano depois.  3b1s2x

  • Essa reportagem faz parte da série O peso da Água, que aborda os traumas e as marcas dos moradores do Rio Grande do Sul mesmo um ano após as enchentes históricas. O Terra ou pelas cidades de Eldorado do Sul, Porto Alegre, Canoas e São Leopoldo.  
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Basta andar um pouco pelo Estado para ver que 365 dias não foram capazes de apagar todo o peso daquela tragédia histórica. Em Porto Alegre, no centro ou nas regiões mais altas, é preciso um olhar atento para enxergar as marcas da água. Em um olhar superficial, até parece que a vida já voltou ao normal. Mas, em Eldorado do Sul, a cidade do Rio Grande do Sul cuja população foi mais atingida pelas enchentes, a situação é bem diferente. 

Era de manhã quando cheguei ao município de 40 mil habitantes, localizado a 16,7 km da capital. Tinha terra no asfalto. O movimento era pouco. O silêncio potencializava o barulho dos carros que avam pelas ruas. E a destruição ainda está escancarada, visível nas primeiras esquinas, presente nos cruzamentos de olhares. Não são poucas as paredes que seguem marcadas. A cidade parece ter parado no tempo.

Dos moradores que não deixaram a cidade está dona Elvair Antonia Dorneles dos Santos, que tem 75 anos e mora lá há cerca de 40. Neste período, lidou com alagamentos. Mas era diferente. Seu esposo, que faleceu pouco antes da tragédia, costumava medir a altura das águas nas ruas com um palitinho para acompanhar o fluxo da cheia. As águas subiam, mas não a ponto de transformar vidas.

“Até brincavam com a enchente, mas essa aqui não foi brincadeira”, relembra Elvair. De bens materiais, dessa vez, ela perdeu tudo. A enchente também afetou a sua saúde, levou seus companheiros de quatro patas e a tirou do sossego. A chuva que antes até trazia memórias afetivas, agora, a apavora.

Quando o volume da chuva começou a subir, no ano ado, ela estava na rua. Correu para casa para pegar seus documentos e levar consigo seus três pets. Ela foi resgatada com a água na cintura. Se tivesse continuado na casa, poderia não ter sobrevivido para contar história. A água cobriu tudo. Um ano depois, ela ainda não conseguiu deixar todo o caos para trás, e a memória do que aconteceu segue materializada dentro de casa.

O que mais sente é ter perdido os seus cachorros. Sim, ela conseguiu salvar os animais de estimação. Mas a história de Elvair --assim como a de outras 32,5 mil pessoas afetadas pela enchente na cidade (82,2% da população)-- não termina no momento do resgate. Ela ou por cerca de cinco abrigos, mas nem eles eram seguros. Três deles foram afetados pela enchente e, em meio ao frio e à escuridão, os desabrigados precisaram ser realocados. A chuva não deu trégua. 

Foi em um desses casos, no terceiro abrigo que esteve, que ela precisou se separar de seus animais. Ela conta que todos estavam reunidos no segundo andar do imóvel, quando foi resgatada por um barco de pescador. "Nós não morremos ali porque Deus não quis. Era escuro, tinha muita correnteza. O barquinho mexia...", conta Elvair. 

Não a deixaram levar os cachorrinhos no barco. Ela até tentou levar o menorzinho no peito, dentro da blusa, mas não deu tempo. A água estava chegando. O que conseguiu fazer foi tirá-los das caixas de transporte, das guias, e os deixou lá, nos pontos mais altos do edifício. Ela não pôde me mostrar fotos deles, pois não tem mais nenhuma. Os únicos registros que tinham estavam em seu celular, que foi roubado num abrigo.

Agora, quando chove, sua casa fica alagada até a altura das canelas. "Os bueiros estão cheios", explica, uma queixa comum entre os que ouvi nos dias que estive no Estado. A chuva dá aflição e medo. Principalmente, porque, agora, Elvair tem só um pulmão. Teve enfisema pulmonar. A pneumonia veio com a enchente, da umidade, do tempo que ficou sem casa. Do último abrigo que esteve, ela foi direto para o hospital. Ficou dois meses lá. Depois, ficou na casa da irmã por um tempo, até retomar para o seu cantinho e ir limpando tudo devagar e como pôde.

Elvair não morava ali. Ela ficava em uma casa em outro bairro, no Chácara, que fica mais próximo do rio Jacuí, que permeia a cidade assim como o rio Guaíba. Antes da enchente histórica, ela saiu de lá justamente com medo de alagamentos, e foi para o terreno onde a conheci. Lá, é como se fosse uma pequena vila, com cinco casas em um mesmo terreno --herança da mãe que ela divide com a irmã. Mas, no fim, todas as casas, incluindo a no outro bairro, foram destruídas pela tragédia. 

Tudo que conseguiu arrumar foi com os R$ 5.100 que recebeu do auxílio reconstrução, pago em parcela única pelo Governo Federal. Agora, ela mora em uma das casas principais, que fica aos fundos. É preciso força para abrir a porta empenada --herança da água. O cômodo que tradicionalmente seria a cozinha também faz vez de sala. A sala virou seu quarto. O quarto, que ainda não foi arrumado, ganha a função de “closet”, como ela mesmo define, onde é guardado tudo o que conseguiu reconquistar até agora. O banheiro e a cozinha são pequenos, mas funcionais. E dos poucos eletrônicos disponíveis, uma geladeira nova e uma televisão menorzinha. 

Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Elvair mostrou tudo isso com simpatia, comum entre a maioria dos moradores com quem cruzei no Rio Grande do Sul, e uma espécie de gratidão por poder contar sua história. Mas seu olhar não tinha brilho. Como contou, seu sustento vem da aposentadoria que ganha, e boa parte da grana vai para os medicamentos que precisa tomar --agora, mais ainda por causa dos impactos da enchente em sua saúde. Alguns ela consegue pegar com o governo. Outros, precisa bancar. Não sobra muito.

Das cinco casas do terreno, só três estão ocupadas. A casa ao seu lado, parou no tempo. Está como há um ano. As paredes têm uma espécie de limo. São manchas profundas. O cheiro, ao abrir a porta, é forte. Mas nem perto do que tantos moradores me descreveram terem sentido ao voltar às suas casas. Na época, o cheiro era de esgoto, de morte. O cheiro de uma lama, um lodo, que foi difícil de tirar. Além do odor, a grande presença de mosquitos também chama a atenção. Elvair conta que conseguiu capturar dois, os levou na prefeitura, que constatou ser dengue. Mas a situação não se resolveu ainda. Segundo ela, no terreno ao lado, há uma casa com piscina que segue fechada até hoje. Os donos nunca voltaram.

É como se agora Elvair vivesse num limbo. Ela não quer sair de lá. Sua opção seria ir para uma casa no litoral, de um familiar. Mas ficaria sozinha, recebendo visitas só de tempos em tempos. “Os parentes da gente são os vizinhos mais próximos”, pontua. Ela conhece todo mundo da redondeza. Mora lá há 40 anos. Seus médicos, que têm todo seu histórico, ficam a poucos minutos de sua casa. Agora, que sofre de falta de ar, tem medo.

Ao mesmo tempo, diz que vai colocar tijolos na porta para barrar que possíveis chuvas inundem seu lar novamente. Ela também citou, várias vezes, que, no imóvel da frente, que está vazio e que era de sua irmã, vai colocar “andaimes” para poder deixar todas suas coisas encaixotadas por lá, caso a casa alague. Ela está se organizando para separar todos os remédios, documentos, e outros itens importantes, tudo pronto para partir, se preciso. Sempre alerta. Esperando pela próxima enchente. “Já vou arrumar tudo”.

“Não tenho planos. Não sei. Esperando por Deus agora. É só esperar. O que vir, que sejam coisas boas.” - Elvair, 75 anos.

Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Um ano das enchentes 463v4y

Dos 497 municípios do Rio Grande do Sul 418 declararam estado de calamidade ou de emergência em 2024. Segundo dados oficiais do governo estadual, foram registradas 184 mortes, de acordo com a última atualização da Defesa Civil divulgada neste mês de abril. Desde agosto ado, eram 183 vítimas. Ao todo, 25 pessoas seguem desaparecidas.

Foi em Eldorado do Sul, onde mora Elvair, que a maior parte da população foi atingida pela enchente. De 39,5 mil habitantes, 32,5 mil foram atingidos (82,2% da população), informam registros do Mapa Único Plano Rio Grande (MUP-RS), do Governo Estadual do Rio Grande do Sul. Desses atingidos, de acordo com os dados oficiais do governo estadual, foram 6 mortes na cidade. Já a prefeitura, em resposta ao Terra, afirmou serem sete.

Imagem aérea de Eldorado do Sul (RS)
Imagem aérea de Eldorado do Sul (RS)
Foto: Gustavo Mansur/Palácio Piratini

Com relação aos imóveis, do total de 20,8 mil endereços de Eldorado do Sul, 15,1 foram atingidos (72,95%). São consideradas como atingidos "os domicílios situados dentro da área diretamente atingida por enchentes, enxurradas ou deslizamentos, conhecida como mancha de inundação", conforme pontuado pelo governo. O Terra solicitou à prefeitura quantas casas foram dadas como comprometidas na cidade, mas não teve resposta.  

A reportagem solicitou dados sobre os perfis de gênero e idade das vítimas à Defesa Civil, bem como ao Instituto-Geral de Perícias (IGP), à Polícia Civil, ao Corpo de Bombeiros, à Secretaria de Segurança Pública e à assessoria de imprensa do Governo Estadual, mas não obteve resposta. Segundo a Defesa Civil, o órgão não fornece esses dados.

Por mais que os dados não tenham sido revelados, sabe-se que entre os afetados, muitos eram como Elvair. Isso porque o Rio Grande do Sul é um dos Estados com maior população idosa do Brasil, com 14,1% dos moradores tendo 65 anos ou mais. O envelhecimento da população gaúcha tem sido gradativo, com uma redução da população com menos de 35 anos e um aumento das faixas etárias acima dos 55 nos últimos censos.

Na cidade, a água apenas se manteve baixa nas ruas no entorno da prefeitura, chegando à altura do joelho, cerca de 40 centímetros. De acordo com relatos de moradores, a rua Holanda, a poucas quadras da prefeitura, foi uma das poucas onde a água não entrou nas casas. Andando pela região, ouvi de pessoas que é como se Eldorado tivesse virado uma “cidade fantasma”, por mais que ainda tenha comércios ativos, e moradores pela região. Em uma rua que ei, entre 8 casas, 3 estavam fechadas/abandonadas.

Um corretor de imóveis, que não se identificou, disse que as pessoas começaram a voltar para a cidade agora. Isso porque muitas foram beneficiadas com o aluguel social ou preferiram outros locais em meio à degradação da cidade. “Um contrato de aluguel, normalmente, vale de 6 meses ou de 1 ano, então, agora, esse fluxo deve voltar para a cidade”, explicou ele.

Um político da cidade, que também conversou comigo por acaso, disse que Eldorado do Sul é uma cidade com características de interior, mas que fica a poucos minutos da capital. A cidade está triste, definiu ele.

‘Agora eu sou assim: não me batendo, a tudo’ 2d675k

Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Enquanto Elvair foi para abrigos e ou a ter problemas por causa de uma pneumonia que contraiu, Josefina da Silva, sua vizinha, de 79 anos, sofreu um Acidente Vascular Cerebral (AVC) por causa das preocupações com as enchentes e foi morar de favor na casa dos outros. 

Atualmente, ela paga aluguel, R$ 450 incluindo água. Ainda tem de despesa a conta de luz, as compras do mês e os remédios que ou a tomar após o AVC. Tirando o que consegue pelo governo, em torno de R$ 600 por mês vão em medicamentos. São de 15 a 20 comprimidos por dia. Isso além de ter tido que recomeçar sua vida, pois também perdeu tudo com a enchente. “Sobra uma mixariazinha”, contou ela, que vive com um salário mínimo de benefício por doença, durante visita da reportagem à sua casa.

Foi justamente toda essa preocupação com a vida financeira que a “atacou os nervos”. Seu medo, por mais que acabe recebendo ajuda dos filhos, é de não ter de onde tirar para pagar as contas. “Meus filhos são todos pobres. Trabalham, mas não ganham lá essas coisas”, disse, detalhando a rotina corrida de uma de suas filhas que é técnica de enfermagem e demora três horas para ir, e três horas para voltar do trabalho. 

Josefina queria voltar a trabalhar, pois é cuidadora de idosos, mas essa sua filha a proibiu, disse que não dá, por causa de sua saúde. “Essa veia da cabeça é perigoso de arrebentar”, explicou a senhora.

Quando a enchente histórica aconteceu, Josefina morava em uma casa a poucos minutos da que mora agora. Também pagava aluguel. Foi tirada de lá levada pelos braços, nas costas, por um de seus filhos. Um dos oito vivos, pois perdeu uma das filhas há uns anos. Quando foi resgatada, a água batia no peito. Conseguiu levar consigo uma muda de roupas, um calçado e os remédios que tomava na época. O carro mexia junto com a correnteza, mas conseguiram sair da cidade. Ela diz que seu filho teve “muita fibra” para enfrentar a situação. Para trás, mais casas destruídas pela enchente.

Josefina não foi para abrigos. Ficou dois meses na casa “dos outros”, e seu filho alugou um lugar para ela morar em Viamão, cidade há cerca de 50 km de distância de Eldorado do Sul. Sua vida foi recomeçando lá, tudo por meio de doações. Mas, como estava muito sozinha, voltou para Eldorado, onde mora há cerca de 30 anos. 

Com os R$ 5.100 do governo, conseguiu pagar a mudança para a casa que está agora e teve ajuda de seu ex-marido para pintar as paredes. Ela diz que as pessoas estão cobrando R$ 1.000 para fazer essa limpeza externa. As marcas da enchente, que se impregnaram como uma graxa, custam a sair. Mesmo que mascaradas, elas ainda estão lá. E quando chove, já fica “doida de medo”. Ela diz que pegou trauma.

“Me atacou os nervos, [o que mais preocupa são] as contas pra pagar. Tenho muito medo de ficar doente, de não ter de onde tirar para pagar as contas” – Josefina

“Penso muito em sair daqui. Quero voltar a ter minha casa, em outro lugar. Mas é difícil. Todo mundo consegue, menos eu. No fim do ano, faço 80 anos. É brabo, né? Eu perco o sono, às vezes, pensando nisso. Queria tanto ter minha casa”, complementou Josefina, que antes da enchente se reconhecia como uma pessoa “bem trabalhadeira, bem agitada”. “E agora eu sou assim: não me batendo, a tudo. A gente muda, né. Tem que mudar.”

Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

Para que não se repita 1k5od

A tragédia socioambiental que chegou a Eldorado do Sul envolve múltiplos fatores, e é um reflexo da crise climática. Em uma realidade com eventos extremos cada vez mais frequentes, muitas cidades do Estado, incluindo Eldorado do Sul, registraram entre 500 e 700 mm de chuva em poucos dias durante a enchente de 2024 --quantidade que representa cerca de um terço da média anual de precipitação.

Cidade de Eldorado do Sul, uma das mais atingidas pela enchente; Rio Grande do Sul precisará de muitos recursos para reconstrução
Cidade de Eldorado do Sul, uma das mais atingidas pela enchente; Rio Grande do Sul precisará de muitos recursos para reconstrução
Foto: WILTON JUNIOR / ESTADÃO / Estadão

Não há diques em Eldorado do Sul, nem comportas e casas de bombas. Segundo relatado pela prefeitura, os níveis do rio Jacuí subiram rapidamente, inundando mais de 90% da cidade. Em 2023, foram registradas outras enchentes, mas o caso do ano ado foi o de maior devastação no histórico da cidade.

"Tudo isto associado a um bloqueio atmosférico em que o sistema de alta pressão atmosférica no centro-sul do Brasil impediu o deslocamento normal dos sistemas meteorológicos, mantendo as áreas de instabilidade concentradas sobre o Rio Grande do Sul por um período prolongado", explicou a prefeitura.

Em paralelo, ocorreu um represamento da água e uma dificuldade de escoamento dos rios das bacias do rio Jacuí e Guaíba, o que contribuiu para a elevação dos níveis e a lentidão no recuo das águas. "Ventos sul também podem ter causado um represamento adicional no Lago Guaíba, influenciando os níveis dos rios que nele desaguam", complementou a prefeitura.

Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Eldorado do Sul, no Rio Grande do Sul, um ano após as enchentes.
Foto: Beatriz Araujo/Terra

O que a cidade está fazendo para que isso não se repita, de forma prática, é reformular a Defesa Civil, realizar um trabalho de hidrojateamento do sistema de esgotos da cidade --para desobstrução-- e elaborando um "projeto de Soluções baseadas na natureza (SBN) do tipo Bacias de amortecimento, parques esponjas, parques ecológicos", informaram.

Também está em processo de aquisição um sistema de monitoramento de cheias, no qual constam sensores de nível de água dos rios e radares meteorológicos. Assim como segue em processo de licitação junto ao governo do Estado o projeto de um dique de proteção da cidade.

Para coordenar a questão, foi criada neste ano a Secretaria da Reconstrução, Resiliência Climática e Defesa Civil, que "promove seminários, palestras e treinamentos também aos Núcleos Comunitários de Proteção e Defesa Civil (NUPDECS)". "A Defesa Civil Municipal também está em processo de aquisição de equipamentos do tipo: viaturas, barcos, botes, motoaquáticas", citou a prefeitura.

'Maiores problemas são em lugares que já tiveram problemas antes' 4s473x

É primordial investir em prevenção. E por mais que o Brasil tenha melhorado nisso nos últimos anos, em meio a eventos extremos cada vez mais frequentes, ainda há muito para melhorar. É isso que pontua Luciene Pimentel, engenheira civil, pós-doutora em Gestão e Tecnologias Ambientais, professora de pós-graduação em Gestão Urbana pela PUC-PR, e pesquisadora na área de emergência climática. Ela também é diretora da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.

Luciene explica que projetos de engenharia nas cidades são feitos com base nos históricos ados. E que esse é o alerta: antes não tinham fenômenos extremos dessa magnitude e com tanta frequência. Agora, as infraestruturas urbanas têm que ser feitas a partir de novos casos, para que as cidades aguentem. Fazer bons e contínuos investimentos, focar no planejamento e prevenção, vão além de gastar dinheiro: "É poupar as pessoas do sofrimento, do deslocamento, de mortes".

Agora, a injustiça social e a injustiça ambiental estão se transformando na injustiça climática - Luciene Pimentel, engenheira

A especialista destaca ser importante que os Estados unam esforços para lidar melhor com a situação. Ela vê como um entrave a politização do assunto, pois a emergência climática é um fato, não uma opinião, e é preciso educar as pessoas com relação a isso. Em paralelo, como acredita Luciene, é necessário que os gestores das cidades assumam responsabilidades em caso de negligência .

"O Brasil sempre foi um país afortunado. A gente fala: 'não tem terremoto', 'não tem furacão'. Não, mas agora temos outros problemas que também causam um bocado de transtorno, estamos em transição climática. É preciso a gente reconhecer isso. Aprender a lidar com eles, e ensinar as crianças sobre isso, porque eles que vão viver essa realidade".

*A repórter viajou para o Rio Grande do Sul à convite do Instituto Ideias de Futuro (https://institutoidf.org/).

** A série de reportagens O Peso da Água contou com a edição e coordenação de Aline Küller e Larissa Leiros Baroni.

Fonte: Redação Terra
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