Tenho contado aqui algumas histórias curiosas que vivi no ado como jornalista especializado em automóveis, principalmente no período em que atuei como “testador de carros”. Pouco falei da segunda fase do meu currículo, que tem se estendido ao longo dos últimos 20 anos: o de profissional de Comunicação Corporativa / Assessoria de Imprensa. 2e3zc
Trabalhando em montadoras, importadores, ou atendendo marcas como consultor, já fiz o lançamento de dezenas de novos carros, picapes, caminhões, vans, motos e ônibus no Brasil. Até moto aquática elétrica já lancei. Algumas dessas estreias foram absurdamente empolgantes sob o ponto de vista de estratégia > resultado.
Sei que o papo aqui na coluna é sobre carro. Mas espero que você também aprecie o conteúdo de hoje, onde a narrativa será sobre “estratégias de posicionamento e lançamento de novos carros”, sob o planejamento da própria montadora.
Kombi com motor a água foi um desses produtos. Inesquecível. A VW tinha receio de trabalhar a Comunicação de um produto tão anacrônico, que puxava a imagem da marca pra baixo. Ninguém lá em São Bernardo do Campo (sede da VW) queria fazer nem evento. Só colocar o novo motor 1.4 na rua. E segue o jogo.
Consegui – e esse evento eu preciso mandar a modéstia às favas e chamar para a primeira pessoa – convencer as áreas internas da empresa que o avanço em desempenho, consumo e nível de ruído precisava ser contado proativamente para o público, ainda que o produto final continuasse arcaico.
Para diminuir as críticas, organizei um test drive onde os jornalistas dirigiam a velha Kombi (motor a ar) e, depois, a nova (1.4 a água). Por mais que viessem críticas ao produto como um todo, a evolução do novo motor se imporia. E se impôs. Ela teve chamada na capa de seis (todas!) revistas automotivas da época.
Já na Mercedes-Benz, idealizei um evento que tinha forte apelo institucional: era a única marca do país a atuar em quatro segmentos diferentes: carros, caminhões, vans e ônibus. Se bobear ainda é, inclusive. E levei mais de uma centena de jornalistas para testar tudo isso. Havia mais de 80 veículos à disposição para test-drive em um circuito fechado, com todo o line-up à disposição.
Foi emocionante. Jornalistas que falavam só de veículos comerciais tiveram a experiência única de pilotar um AMG a mais de 200 km/h; bem como os automotivos ganharam a inédita chance de conduzir um ônibus rodoviário ou um caminhão extrapesado com mais de 40 toneladas no implemento. Devido à profusão de veículos, o tal “valor da marca” ficou evidente. Sabe quando todo mundo sai do evento feliz? Staff e convidados?
As novas marcas
Além de todos esses eventos de lançamentos, eu participei do nascimento de quatro novas marcas de veículos no país. Teria uma quinta, que foi a Bajaj, de motocicletas. Mas sendo justo: não colaborei com a essência do evento. Só tive a incumbência de escrever os textos de apresentação das motos. Então não conta.
Lançar, mesmo, lancei quatro: Smart, JAC, Ankai e GAC, esta última na semana ada. E é um pouco mais sobre essas estreias que eu quero contar hoje.
Test-drive estratégico do Smart
Eu trabalhava na Mercedes quando se resolveu iniciar a importação de Smart para o Brasil. Concebemos um test drive, no dia do evento, que praticamente só percorria áreas urbanas – esse era o verdadeiro habitat do Smart Fortwo. Havia, se tanto, um trecho rodoviário de 10 ou 12 km, no máximo. O resto era tudo na cidade.
Havia um componente bem sutil nisso: o roteiro ava por uma área nobre de São Paulo – totalmente proposital –, onde sempre há muito trânsito. E aquela fileira de microcarros chamava muito a atenção dos pedestres e dos outros motoristas – mais até que dos Audi, BMW, Mercedes ou Land Rover que circulavam por ali.
Os jornalistas, dentro do Smart, nunca haviam sido tão “secados e observados”. Com um pouco de molho, transformamos essa nuance em atributo de “status”, dando sustentação a ingredientes como “escolhas inteligentes, racionalidade, sustentabilidade”. Do limão à limonada: era a única forma de justificar um carro de 2,7 metros de comprimento que custava mais caro que um Honda CR-V à época. A Smart não teve vida longa no país, mas os problemas foram outros. Mas que essa estratégia deu certo à época, deu.
Um aparte para mostrar o porquê da preocupação: alguns anos antes, durante o lançamento do Mercedes A190, um jornalista perguntou ao diretor de Vendas se a MB não cobrava muito caro por um carro tão pequeno. Ele respondeu: “A Mercedes não vende carro por metro”. A história ensinou, contudo, que “o consumidor comprava”.
JAC: o desafio de uma pioneira
Fui convidado pelo Sergio Habib, dono do Grupo SHC e importador da JAC Motors, para lançar a marca em 2011. À época, a dificuldade não era só posicionar uma nova fabricante de carros, pois você não partia do zero. Mas do “menos um”. Tudo o que se conhecia de manufatura chinesa 15 anos atrás era da pior qualidade possível: brinquedos de plástico, relógios e tênis falsificados, artefatos de cozinha que quebravam rapidamente. Tudo tinha conotação de xing-ling.
Tecnicamente, o JAC J3 não era inferior ao VW Gol, nem ao Fiat Palio ou ao Ford Fiesta, e muito menos (muito menos mesmo) ao Chevrolet Agile. Ele enfrentava esses rivais com a roda nas costas. Eu sabia que, ao testar o carro, o jornalista automotivo perceberia isso. Ganhei uma frota de 20 carros e saí emprestando um a um para todos os profissionais do país. Tivemos, em 2011, um share of voice (termo que designa a fatia de visibilidade de sua marca na mídia espontânea frente às concorrentes) entre as 6 ou 7 maiores montadoras do país.
Faltava trabalhar a credibilidade incipiente da marca, só que era aí que partíamos do “-1”. Resolvi pendurar a JAC no prestígio do próprio Habib, promovendo sua imagem como a do empresário destemido e arrojado que havia descoberto uma nova fábrica de carros do outro lado do mundo a desafiar as montadoras nacionais com um imbatível custo/benefício. Lembra do “completão”?? Lotei a agenda dele com entrevistas para jornalistas da área de Negócios. Ele falou com Veja, IstoÉ, Época, Estadão, Folha, O Globo, TV Bandeirantes, Globo News e até Financial Times, logo nas primeiras semanas após o lançamento.
Fizemos MUITO barulho e fixamos institucionalmente a JAC como o “negócio da China”. O preconceito foi desaparecendo, tanto que a empresa foi do zero a 3 mil unidades já no primeiro mês de vendas cheias (abril de 2011). Há quem diga que esse barulho motivou o lobby que culminou com o aumento de IPI para carros importados... e deu no que deu. Por mais precavido que um assessor de imprensa tenha de ser, isso não dava para adivinhar.
Ankai: a coletiva dentro do ônibus
Habib também trouxe a Ankai, marca que pertence à JAC na China, e têm uma linha completa de ônibus elétricos, em 2024. Nada parece mais óbvio do que eletrificar o transporte coletivo. Ônibus elétricos só andam por rotas definidas, em horários pré-estabelecidos. O maior problema de veículos elétricos, que é autonomia e infraestrutura de recarga, é facílimo resolver com ônibus.
Mais confortáveis que os modelos a diesel, pois não vibram, não fazem barulho e não dão trancos, como escancarar esses atributos logo de cara? A ideia foi óbvia: colocamos os 45 convidados dentro de um desses veículos e saímos para ear no trânsito de São Paulo. O Habib, em pé, no meio do corredor, e sem microfone, fez a apresentação técnica. Nos primeiros artigos, as mensagens-chaves dos ônibus Ankai logo apareceram: diziam o quanto ele era silencioso e seria bem-vindo no transporte coletivo das grandes cidades.
GAC: a maturidade dos carros chineses
Participei do evento de lançamento da GAC na semana ada. Com uma diferença de 14 anos, portanto, atuei na chegada de duas marcas chinesas de automóveis. Desta vez, você não precisava mais convencer ninguém que a tecnologia e a inovação empregadas naqueles produtos eram exemplares. O jornalista olha os carros e tem uma percepção de “valor” imediata e acentuada. Seja no pacote de ADAS de um GS4, no charme das portas asa-de-gaivota do Hyptec HT ou no design contemporâneo do Aion V.
A GAC é a sexta maior montadora chinesa. Produziu em 2024 o mesmo volume de unidades de todo o mercado brasileiro, cerca de 2,5 milhões. Possui parcerias históricas com Honda e Toyota (olha com quem eles lidam...) e tem Centros de Design na China, na Itália e nos EUA.
Lançou 5 carros de uma só vez (quatro elétricos e um híbrido) e anunciou que vai trabalhar com modelos a combustão. Estreou com posicionamento de preços bastante agressivo, 83 pontos de vendas no país, acabamento e design de padrão . É só conferir o que a imprensa tem falado da GAC nos últimos dias.
Se houve algum desafio para o lançamento desta quarta marca? Sinceramente? Nenhum.