Débora Silva é mãe da primeira vítima na Baixada Santista do revide aos ataques do PCC, em 2006, quando morreram 505 civis no estado de São Paulo. Cria das favelas de São Vicente, a imigrante nordestina foi pedreira, vendedora e jovem mãe antes de se tornar uma referência global em direitos humanos.
Se você se interessa por movimentos sociais, certamente já ouviu falar de Débora Silva, liderança das Mães de Maio, grupo formado após os “crimes de maio” de 2006, quando 505 civis foram mortos em São Paulo em represália aos ataques do PCC. A trajetória ativista de Débora é conhecida, mas pouco se fala sobre sua vida anterior. 6t52z
Débora Maria da Silva, 66 anos, nasceu em Recife, mas mudou-se aos três anos com a família para São Vicente (SP). Terceira de 12 irmãos, cresceu em favelas como Catarina de Moraes, Vila Fátima e Jóquei Clube. A mãe cuidava da filharada em casa.
O pai, pedreiro de dia, caçava rãs à noite para complementar a renda. Nas obras, os filhos, inclusive Débora ainda criança, davam duro. “Era serviço bruto, virava concentro, carregava bloco, jogava telha. Sei fazer trabalhos de pedreiro, eletricista, fui criada para ser resolvida.”
“Não sabia do mundo, só aprendi a criar meus filhos”, diz Débora 2t6s41
A personalidade decidida leva Débora a sair de casa ainda adolescente. Ela quer curtir os bailes nas favelas e palafitas, mas o pai dá um ultimato: o baile ou a igreja. Ela escolhe o baile e casa aos 15 anos. “Aí nasceu o feminismo. É um comportamento com muita opinião e orgulho. Nunca bati na porta do meu pai para pedir nada, mesmo depois da morte do meu marido.”
“Ia para a igreja, mas não gostava de ir, ia a pé, atentava os outros, muitas vezes apanhava quando chegava em casa” – Débora Silva
O marido, executado após a separação, foi a segunda tragédia em sua vida — antes, o irmão mais velho desaparecera nas mãos do Esquadrão da Morte, na Ditadura. Enquanto estava casada, Débora viveu em Santos, no Jardim Castelo e Areia Branca, teve três filhos, o primeiro aos 17 anos.
“Não sabia do mundo, só aprendi a criar meus filhos”. Trabalhava de faxineira e vendia lingerie. “Era minha praia. Amava interagir com as pessoas. Fui uma das maiores vendedoras da empresa. Deixava fiado no respeito, na amizade. Chegava de bicicleta e mochila e mandava ver.”
Débora diz ter sido levantada pelo filho 2c112j
Edson Rogério Silva dos Santos era gari e tinha 29 anos quando foi assassinado por policiais, tornando-se a primeira vítima dos Crimes de Maio na Baixada Santista. Débora entrou em choque e foi internada.
No hospital, teve uma visão: o filho, bravo, segurava seus braços e dizia “luta para os meus irmãos continuarem vivos”. Achou ser delírio, mas na manhã seguinte, no banho, notou manchas nos braços, como marcas das mãos do filho. Isso a despertou.
Teve alta e começou a buscar outras mães. Encontrou Ednalva Santos, que também perdera um filho, e aram a organizar o que seria um movimento. Procuraram mais mães, foram ao Ministério Público, à Câmara dos Vereadores, conseguiram imagens de câmeras.
Débora veio pela primeira vez a São Paulo. Com outras mães procuraram a Ouvidoria e o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana do Estado de São Paulo (Condepe). Aprenderam a andar de metrô e a se locomover na capital. Começaram a história que o mundo iria conhecer.
“A gente vai para dentro de todas as bandeiras”, diz Débora. 6rfq
Débora se tornou uma referência nacional e internacional, ganhou até prêmio como atriz. Circula por países e cidades como Nova York e Washington. Se envolve em lutas que vão do e livre à conquista do primeiro habeas corpus para cultivo de maconha medicinal no Brasil.
A mulher que não concluiu o segundo grau ou de objeto de estudo a pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Quando este perfil estava sendo escrito, no final de maio, ela ministrava uma formação com funcionários públicos do Brasil e a Universidade de Harvard.
Também se envolve na luta pelo desencarceramento e, com a Iniciativa Negra, participa de discussões no Brasil e no exterior sobre políticas de drogas. “A gente vai para dentro de todas as bandeiras do movimento popular, periférico e favelado”. Vão mesmo, a luta das Mães de Maio está toda registrada.
Uma impressão e uma informação sobre o movimento 3j4e
Antes de concluir a história de Débora Silva antes do ativismo, seguem uma impressão e uma informação. A impressão: ninguém diria que essa mulher sofreu ao ver ela sorrir. Não é clichê: o sorriso é de alguém que parece não ter sofrido, de tão aberto, completo, mexendo todos os músculos e marcas do rosto.
A informação: o nome Mães de Maio não foi inspirado nas Mães da Praça de Maio, da Argentina, que se organizaram contra o desaparecimento de seus filhos na Ditadura. “Eu nem conhecia”, diz Débora.
As Mães de Maio brasileiras têm esse nome porque a maioria dos filhos foram assassinados no mês de maio – na véspera do Dia das Mães, no próprio Dia das Mães, e depois.