Plano Pena Justa não prevê cotas para presidiários em concursos públicos, nem bolsas de estudos 4u5y
VÍDEO DO SENADOR CLEITINHO AZEVEDO DISTORCE PONTOS DE PROGRAMA ANUNCIADO PELO MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E PELO CNJ; PROCURADO, ELE DISSE TER FEITO UMA INTERPRETAÇÃO CRÍTICA DAS PROPOSTAS c682r
O que estão compartilhando: um vídeo em que o senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG) diz que o plano Pena Justa inclui um incentivo para presos estudarem, chamado Bolsa Recomeço, garante cotas para presidiários em concursos públicos e cria mutirões para a revisão de penas e solturas de detentos. 1r1i6k
O Estadão Verifica investigou e concluiu que: é falso. O vídeo distorce o documento lançado em fevereiro deste ano pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que contem propostas de melhoria do sistema prisional. O que o plano propõe é o seguinte:
módulos de educação em 100% dos estabelecimentos prisionais, com mínimo de 50% da população prisional estudando;cotas para egressos do sistema prisional na istração pública, determinada por decreto de 2018;mutirões para revisar processos de pessoas presas, prática iniciada pelo CNJ em 2008.
O MJSP e o CNJ foram procurados pelo Verifica e negaram que as afirmações do senador estejam corretas.
Procurado, o parlamentar itiu que as falas sobre uma "Bolsa Recomeço" e cotas em concursos públicos foram interpretações construídas por ele. Ainda assim, ele alegou que essas informações transparecem em falas de representantes do governo.
Não há, ao longo das 448 páginas, qualquer menção ao termo "Bolsa Recomeço", nem trecho que confirme a criação de cotas para presidiários em concursos públicos.
A Secretaria Nacional de Políticas Penais do Ministério da Justiça e Segurança Pública (Senappen/MJSP), um dos órgãos responsáveis pelo plano, disse que o Pena Justa não prevê a concessão de "bolsas" para presos estudarem, nem estabelece cotas para presidiários em concursos públicos, ou cria mecanismos de soltura indiscriminada de presos.
Sobre o tema de mutirões, o CNJ informou que eles estão previstos, mas não têm como objetivo a soltura de pessoas. A meta é verificar se a situação em que os presos se encontram está regular.
O que o plano diz sobre estudos de presos?
O CNJ explicou, em nota enviada ao Verifica, que a educação é um dos temas trabalhados no plano, de forma alinhada às exigências da Lei de Execução Penal em vigor no País. O órgão negou que o Pena Justa ofereça pagamento de bolsa de estudos.
De acordo com o CNJ, uma das principais ações para ampliar o o à educação escolar é a implantação de módulos de educação em 100% dos estabelecimentos prisionais, com mínimo de 50% da população prisional estudando (ver página 313 do PDF).
Em 2023, 31,5% das prisões brasileiras não tinham salas de aula, de acordo com dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania. Apenas 16,5% dos presos participavam de atividades educacionais escolares naquele ano.
Uma das ações propostas é ampliar o o de ex-presidiários à rede de educação, mas não há menção à concessão de bolsas de estudo. Uma das metas prevê: "Fomento às parcerias com Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia e outras Instituições de Ensino Superior de modo a viabilizar o ingresso de pessoas egressas do sistema prisional no ensino superior" (ver página 385 do PDF).
Também é citada a seguinte medida: "Fomentar programas assistenciais de apoio financeiro para pessoas egressas do sistema prisional com duração mínima de 90 dias" (ver página 386 do PDF). Questionada se isso se configura como uma bolsa para presos, como alegou o parlamentar, a Senappen disse que não.
Eles explicaram que o público-alvo desta medida não são detentos, mas pessoas que saíram do presídio e que necessitam de auxílio para a reintegração social. A pasta disse que ações como a qualificação profissional podem diminuir as chances de reincidência criminal.
"Os primeiros dias em liberdade representam uma fase crítica, na qual a presença do Estado é essencial", afirmou a secretaria em nota.
Procurado, o senador Cleitinho Azevedo disse que a "Bolsa Recomeço" é uma interpretação que ele fez do plano divulgado pelo Ministério da Justiça.
"A bolsa para presos estudarem foi uma interpretação a partir do conjunto de ações que preveem estímulo à educação formal no sistema prisional", disse.
"Embora o termo 'Bolsa Recomeço' não conste formalmente no plano, diversas falas de representantes do governo trataram da ideia de fomentar a educação como política de ressocialização, inclusive com previsão de estímulos", afirmou.
Há cotas para presidiários em concursos públicos?
O CNJ afirmou que o Pena Justa não aborda cota para pessoas presas em concursos públicos. Mas reiterou que o trabalho das pessoas presas e egressas é um dos temas trabalhados no plano.
Uma das medidas citadas é "efetivar cotas legais de pessoas egressas nos contratos públicos" (ver página 376 do PDF). O CNJ explica que essa ação é para cumprir a Política Nacional de Trabalho no âmbito do Sistema Prisional (PNAT), estabelecida no Decreto 9450 de 2018.
Essa política de 2018 estabeleceu cotas para contratação de pessoas presas e egressas na istração pública.
Com o Pena Justa, também foi lançado o programa Emprega 347, que cria cotas de emprego nas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para ex-detentos e condenados em regime semiaberto. O objetivo é criar 600 mil vagas
"(As pessoas) irão trabalhar em projetos de reflorestamento e compensação ambiental relacionados às obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária", explicou texto publicado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
A assessoria de Cleitinho explicou que a "cota para presidiários em concursos públicos" foi uma interpretação crítica construída a partir da política de reintegração social de presos e egressos, em especial do programa Emprega 347, que prevê reserva de vagas em contratos de obras públicas.
"Embora a cota para concursos públicos não esteja expressamente prevista, a menção pública à facilitação da inserção de egressos em empregos públicos deu margem a essa crítica política", afirmou.
O plano prevê soltura de presos?
Embora o texto fale em mutirões para revisão de penas, não há uma determinação para soltura indiscriminada de presos. O plano incorpora uma prática iniciada pelo CNJ em 2008. O órgão explicou que o modelo criado naquele ano foi atualizado em 2023, ando a se chamar mutirão processual penal.
Uma das ações previstas é "regularizar as situações processuais penais das pessoas privadas de liberdade". Para isso, o plano prevê "implantar mutirões processuais penais com regularidade em âmbito nacional, com adoção de protocolo de soltura qualificada" (ver página 264 do PDF).
O CNJ explica que, no mutirão processual penal, tribunais de todo o País ficam responsáveis por revisar processos simultaneamente.
"O objetivo dos mutirões não é a soltura de pessoas, e sim verificar se as situações encontradas estão de acordo com normas e jurisprudência atualizadas sobre determinado tema", informou o Conselho em nota.
Ao ser questionada sobre a alegação de Cleitinho de que o plano pretende "soltar todo mundo", a assessoria do parlamentar disse que a criação de mutirões para revisão de penas e solturas consta formalmente como uma das metas do Pena Justa.
Por que foi criado o Plano Pena Justa?
A criação do plano atendeu a uma determinação do STF no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 347, que apontou violações sistemáticas de direitos humanos em prisões brasileiras.
O plano, elaborado ao longo do ano ado, foi uma colaboração entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, com o apoio de 59 instituições. Ao longo do processo, a sociedade civil contribuiu com a participação em consultas e audiências públicas.
No dia do lançamento do plano, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, afirmou que a iniciativa não concede regalias indevidas, mas sim resgata a dignidade de pessoas que estão sob a custódia do Estado.
Na mesma ocasião, o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou que oferecer um tratamento digno às pessoas privadas de liberdade não é um ato de ingenuidade nem a concessão de benefícios inaceitáveis.
