"PL da devastação": como o Senado afrouxou regras de proteção ambiental 6d1a4f
Senadores aprovam projeto patrocinado pela bancada ruralista que afrouxa regras para licenciamento ambiental e prevê andamento acelerado para empreendimentos "estratégicos". Críticos acusam retrocesso.O Projeto de Lei (PL) que flexibiliza o licenciamento ambiental brasileiro foi aprovado no Senado nesta quinta-feira (21/05), por 54 votos a 13, após 21 anos de discussão no Congresso. Nos últimos meses, ambientalistas apelidaram o projeto de "mãe de todas as boiadas" e "PL da Devastação". 646q3u
O texto, que agora volta para análise da Câmara, reduz significativamente o número de empreendimentos que precisarão do licenciamento ambiental para sair do papel e cria uma modalidade que permite a um órgão político autorizar obras a despeito de seus impactos ao meio ambiente.
Também impede que o dano indireto de uma atividade seja considerado no licenciamento, de modo que a construção de uma estrada, por exemplo, não precisará levar em conta as condicionantes ambientais paralelas à sua construção - como o desmatamento no entorno.
Promovido pela bancada ruralista, o projeto impacta diretamente a Política Nacional do Meio Ambiente que, desde 1981, obriga uma extensa análise prévia para autorizar atividades que utilizem recursos ambientais, causem poluição ou possam provocar degradação ambiental.
Se a nova lei for aprovada pela Câmara, um dos setores mais beneficiados seria a agropecuária, que não precisará de licenciamento para atividades extensivas, semi-intensiva e intensiva de pequeno porte que não ameaçam a vegetação nativa.
"Apenas empreendimentos potencialmente causadores de significativa degradação do meio ambiente, a ínfima minoria, será objeto de licenciamento regular, mediante análise prévia do órgão licenciador", afirma o Instituto Socioambiental (ISA), em nota técnica contrária ao PL.
Defensores do projeto argumentam que o Brasil precisa desburocratizar suas mais de 27 mil regras ambientais, e que a nova Lei poderia destravar 5 mil obras paradas por falta de licenciamento.
Já os críticos, entre eles o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), entendem que o texto viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, consolidado na jurisprudência, e coloca em risco a segurança ambiental e social no país.
"O resultado da votação do PL 2.159 é de terra arrasada. Todos os parâmetros técnicos e científicos que embasam o regramento ambiental atual foram desmontados. O Brasil está voltando ao padrão de desenvolvimento que criou exemplos como o de Cubatão, com gravíssimos danos à saúde pública, ao meio ambiente e até mesmo ao desenvolvimento econômico", afirmou Marcos Woortmann, diretor adjunto do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), em reportagem do Observatório do Clima.
Já a ONG WWF apontou que a "provação do 'PL da Devastação' pelo Senado é inconstitucional e pode gerar retrocessos ambientais irreversíveis".
O que muda com a nova lei
Um dos pontos mais polêmicos é a ampliação da Licença Ambiental por Adesão e Compromisso (LAC). Ela funciona mediante uma autodeclaração do empreendedor, que afirma não explorar o meio ambiente de forma ilegal. A concessão da licença é automática, ou seja, não há exigência de estudos prévios ou análise técnica para averiguar a veracidade da declaração.
Segundo cálculo informado pela ex-presidente do Ibama Suely Araújo à imprensa, a proposta amplia o modelo de autodeclaração para 90% dos atuais licenciamentos ambientais expedidos no Brasil.
A única condição para obter a licença é que a atividade seja de pequeno ou médio porte e não cause extensa degradação ao meio ambiente. Anteriormente, a LAC era válida apenas para atividades de baixo impacto ambiental.
A licença não será autorizada se houver desmatamento de vegetação nativa, já que nesse caso há necessidade de autorização específica.
Mesmo assim, projetos em áreas sensíveis poderão usar o mecanismo. Ele será válido, por exemplo, para obras de duplicação de rodovias e dragagens, além de empreendimentos de saneamento básico.
Segundo o MMA, estes empreendimentos seriam monitorados por amostragem, dispensando a necessidade de fiscalização e ampliando o risco ambiental. A pasta também avalia que o texto enfraquece o papel do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) ao permitir que empreendimentos em unidades de conservação sejam licenciados sem a manifestação obrigatória prévia do órgão gestor da área.
Licença especial definida por órgão político
O PL também cria uma modalidade nova, a Licença Ambiental Especial (LAE). Entram nesse rol projetos que forem considerados por decreto como prioritários ou estratégicos pelo governo federal.
Eles arão por um rito especial, com dispensa de etapas e prioridade de análise. O responsável por escolher as atividades estratégicas que contornam o licenciamento seria o Conselho de Governo, um órgão político composto por ministros de Estado e outros membros do gabinete presidencial. Tais empreendimentos podem entrar nesta lista ainda que seja "utilizador de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente".
A criação dessa licença especial pode possibilitar, por exemplo, o avanço da autorização para a exploração de petróleo na Amazônia, como no caso do pedido feito pela Petrobras para explorar petróleo na Margem Equatorial do Rio Amazonas.
Fim da análise do impacto indireto
Segundo o ISA, o PL ainda impede que sejam exigidas condicionantes sobre os empreendimentos, inclusive em casos de significativo impacto ambiental, como desmatamento, pressão sobre comunidades indígenas, ou contaminação de corpos d'água. Isto porque ele exclui as áreas de influência indireta (AII) do processo de licenciamento. Se aprovado, o impacto secundário de hidrelétricas e ferrovias, por exemplo, não poderá ser considerado para liberação da construção.
Ainda recorre a um novo modelo de renovação automática de licenças para atividade de baixo ou médio potencial poluidor que não tenha mudado seu porte. A renovação também aconteceria via autodeclaração.
Outro ponto que muda com o novo projeto é a punição. O agente público que autorizar um licenciamento em desacordo com as normas ambientais só poderá ser punido criminalmente se houver intenção de cometer o crime.
Por fim, o texto abre um rol de treze isenções licenciamento para atividades. Entre eles, ficam dispensadas as atividades de agropecuária reguladas pelo Código Florestal, atividades militares, obras emergenciais, como as realizadas em estado de calamidade pública, obras para manutenção e ampliação de rodovias, obras de distribuição de energia elétrica e a instalação de sistemas e estações de tratamento de água e esgoto sanitário, até o atingimento das metas de universalização estabelecidas pelo Marco Legal do Saneamento Básico.
gq (Agência Senado, ots)