Saunas e banhos de gelo fazem bem à saúde? 4r3j3
A tradição finlandesa de alternar saunas com mergulhos em águas geladas ou rolar na neve está se espalhando pelo mundo. Mas o que diz a ciência sobre os benefícios alegados para a saúde? 2m6g3d
Às vezes me pergunto por que faço essas coisas com meu corpo. Tinha acabado de correr no inverno em um parque congelado na cidade finlandesa de Oulu. A temperatura do ar era de -15 °C. A 170 km ao sul do Círculo Polar Ártico, este é possivelmente a corrida organizada em parque mais ao norte do mundo. 6r3j3v
Menos de uma hora depois, entrei em uma sauna — uma sala de madeira com iluminação suave, onde o calor intenso emanava de um enorme fogão a lenha. O termômetro marcava 85 °C.
Enquanto eu suava em bicas, um frequentador jogou uma concha de água sobre as pedras quentes do fogão para fazer "löyly" — palavra finlandesa que descreve uma rajada repentina de vapor quente que atravessa o ar. A sensação é intensa, quase um choque. O calor penetrava fundo na pele e nos músculos, dissolvendo qualquer tensão.
Mas aquilo não era suficiente para mim. Saí da sauna para o ar gelado, com vapor subindo do meu corpo, e desci por uma escada coberta de gelo até as águas gélidas do rio Oulu, com cerca de 1 °C. A dor foi lancinante, como se milhões de agulhas espetassem minha pele.
Mas não pulei fora. Em vez disso, contei lentamente até 12. Depois de alguns segundos, a dor pareceu desaparecer — fiquei bem com aquilo. Quase como um abraço congelante. Quando saí da água, o ar ao meu redor parecia quase quente.
Para alguns, pode parecer a rotina matinal de um masoquista insano. Mas essa sequência de frio, calor e frio novamente me fez sentir estranhamente viva. A sauna seguida de banho gelado é conhecida na medicina esportiva como terapia de contraste — e é surpreendentemente prazerosa. Quando faço isso, sinto uma onda de energia que logo dá lugar a uma sensação de felicidade.
É algo que sempre apreciei, como milhões de outros finlandeses que participam regularmente dos rituais tradicionais de sauna. Isso é tão importante na vida escandinava que a música da Suécia no festival Eurovision deste ano — apresentada pelo grupo Kaj, cujos integrantes são finlandeses — é uma ode ao calor suado das saunas. A canção Bara Bada Bastu, algo como "só tome uma sauna", era uma das favoritas da competição e liderava as paradas antes do evento. Acabou ficando em quarto lugar.
Para quem está fora da Finlândia, essa alternância entre frio e calor pode parecer extrema, mas é uma tendência de saúde que vem ultraando as fronteiras escandinavas e se espalhando por outras partes do mundo.
Por isso, resolvi investigar a ciência por trás da sauna finlandesa e descobrir se ela realmente faz bem.
"Os finlandeses vão à sauna pelo menos uma vez por semana e am de cinco a 30 minutos em um ambiente entre 80 e 100 °C", afirma Heikki Junkkari, médico e integrante da diretoria da Sociedade Finlandesa de Sauna, organização que promove a cultura da sauna no país desde 1937.
As saunas existem há milhares de anos e fazem parte da vida finlandesa de forma profunda. Elas unem gerações e regiões do país e até foram reconhecidas pela Unesco como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Há cerca de 3,3 milhões de saunas em um país com 5,5 milhões de habitantes — ou seja, quase todos têm o a uma. É comum que os frequentadores se resfriem mergulhando em lagos ou rios gelados ou tomando um banho frio. Muitas pessoas alternam várias vezes entre calor e frio, segundo Junkkari.
Mas essa mudança brusca de temperatura impacta intensamente a circulação sanguínea, explica Setor Kunutsor, epidemiologista cardiovascular da Universidade de Manitoba, no Canadá.
"Na sauna, a temperatura do corpo sobe gradualmente de 37 °C para até 39 °C. Os vasos sanguíneos se dilatam, começamos a suar e isso reduz a pressão arterial", diz. "O mergulho em água fria faz o oposto: os vasos se contraem e a pressão sobe."
Muitos estudos médicos abordaram os possíveis benefícios e riscos das saunas e banhos frios, mas Junkkari alerta que muitos carecem de rigor científico.
"Poucos estudos são ensaios clínicos randomizados de boa qualidade", diz ele, referindo-se ao método em que os participantes são divididos aleatoriamente em grupos para testar a eficácia de uma intervenção.
Há indícios de que a sauna possa trazer efeitos positivos para o sistema respiratório, prevenir demência e beneficiar o coração.
Também há relatos médicos de pessoas que adoeceram ou até morreram ao mergulhar em água gelada logo após sair da sauna.
Um estudo de 1998, por exemplo, relatou o caso de uma pessoa no Japão que teve um infarto após entrar em água fria imediatamente após a sauna. No entanto, os dados sugerem que esses casos são extremamente raros. A maioria envolve pessoas que consumiram álcool ou tinham condições médicas pré-existentes.
Algumas pesquisas indicam que sessões curtas de sauna intercaladas com resfriamento rápido podem estar associadas a arritmias cardíacas em pessoas com doenças cardiovasculares.
Um estudo de caso publicado neste ano também relatou que um paciente precisou de 12 dias de internação em Birmingham, no Reino Unido, após sofrer um AVC térmico em uma sauna, que resultou em infarto, convulsões e danos ao fígado e rins.
Por outro lado, há evidências de que a sauna possa proteger contra mortes cardíacas súbitas.
Kunutsor trabalhou com o cardiologista finlandês Jari Laukkanen em alguns dos maiores estudos já feitos sobre sauna e banhos de gelo. A pesquisa, que faz parte de um estudo observacional de longo prazo, analisou dados de 2.682 homens de meia-idade e idosos no leste da Finlândia ao longo de 20 anos.
Os resultados sugerem benefícios do uso da sauna para a saúde respiratória, prevenção de demência e proteção cardiovascular.
"Ir à sauna algumas vezes por semana está associado a menor risco de hipertensão, doenças cardíacas e morte súbita", diz Kunutsor.
Ele e seus colegas acreditam que isso pode estar ligado ao impacto da sauna e do frio sobre o sistema cardiovascular, já que os vasos sanguíneos se dilatam e contraem rapidamente. Isso pode reduzir a rigidez arterial e ajudar a controlar fatores de risco como inflamação e estresse.
Quem combina sauna com exercício físico pode ter ainda mais benefícios cardiovasculares, segundo Kunutsor. Ele e colegas realizaram um ensaio clínico em que um grupo de 47 pessoas fez sauna e exercícios três vezes por semana, durante oito semanas, enquanto outro grupo apenas se exercitou.
"Descobrimos que o grupo que também usou sauna teve uma redução média de oito milímetros de mercúrio na pressão arterial", diz Kunutsor. "É uma queda bastante significativa."
Há também pesquisas que indicam benefícios da sauna para o cérebro.
Em 2017, Kunutsor e colegas publicaram um estudo com mais de 2.300 homens ao longo de 20 anos. Os que frequentavam a sauna de duas a três vezes por semana tinham 20% menos risco de desenvolver Alzheimer e 22% menos risco de demência do que aqueles que iam apenas uma vez por semana. O efeito aumentava com a frequência: entre os que usavam a sauna de quatro a sete vezes por semana, a redução de risco foi de 66% para demência e 65% para Alzheimer.
"Encontramos uma forte associação inversa entre frequência de uso da sauna e risco de demência e Alzheimer", diz Kunutsor.
O estudo, no entanto, não comparou com pessoas que nunca usaram sauna — portanto, os resultados podem refletir um estilo de vida mais saudável de quem tem tempo para frequentar saunas. Como todo estudo observacional, não se pode concluir uma relação de causa e efeito, apenas identificar pistas que justificam mais pesquisas.
Ainda assim, a pesquisa de Kunutsor e Laukkanen também sugere que o uso frequente de sauna pode reduzir o risco de transtornos mentais.
O esquiador finlandês Juha Mieto, figura conhecida no país, relatou benefícios psicológicos do uso da sauna. Ele atribui à prática a recuperação emocional sua e do filho após a morte repentina da esposa.
"Foi um choque enorme. Meu filho tinha acabado de completar oito anos. Comecei a acender a sauna às 18h todos os dias. Virou um ritual que nos acalmava", lembra Mieto. "Mantivemos esse hábito por muitos anos. A sauna teve papel essencial em nos trazer paz e dar ritmo às nossas vidas."
Uma explicação possível é que as pessoas se sintam relaxadas ao sentar em um ambiente quente e com aromas, o que provoca alterações hormonais de curto prazo. Um estudo randomizado constatou que sessões regulares de sauna ajudaram a reduzir a intensidade de dores de cabeça tensionais crônicas.
"Na sauna, os hormônios que respondem ao estresse fisiológico aumentam. Os níveis de endorfina, que são os analgésicos naturais e substâncias do bem-estar do corpo, também sobem", explica Ilpo Huhtaniemi, endocrinologista do Imperial College London e coautor de uma revisão sobre os efeitos da sauna nos hormônios. "Os níveis do hormônio do crescimento também aumentam, embora todas essas alterações hormonais tendam a ser de curto prazo."
A professora associada de psicologia Martha Newson, da Universidade de Greenwich, no Reino Unido, está conduzindo um estudo com a Sociedade Britânica de Sauna para avaliar como os rituais da sauna afetam o bem-estar mental.
"A sauna é um espaço em que nossas normas e convenções são suspensas temporariamente — tiramos as roupas, sentamos próximos e amos extremos juntos", diz. "São ambientes rituais poderosos para a transformação das nossas identidades."
A terapeuta de sauna Laura Foon afirma que o ambiente quente e calmo promove relaxamento profundo. "Hoje vivemos constantemente em estado de alerta", diz ela. "Mergulhar na escuridão reconfortante da sauna é profundamente curativo." Para ela, a sensação é como retornar ao útero.