Preocupado demais com doenças? Isso pode ser um transtorno psicológico — e tem tratamento 662s63
Conheça a ansiedade relacionada à saúde, condição caracterizada pelo medo intenso de ter ou desenvolver doenças graves 4971
Antes de sair para o trabalho pela manhã, Peyton Lynas precisa verificar seus sinais vitais de três a quatro vezes para se sentir segura o bastante para começar o dia. Auxiliar de enfermagem para idosos que mora em Rhode Island, Peyton sabe exatamente como checar a pressão arterial, a frequência cardíaca e a temperatura corporal. Ao longo do dia, ela os verifica outras 10 ou 15 vezes, tudo para acalmar a presença implacável de sua ansiedade com a própria saúde. 5d1r4c
"Fico checando minha pressão arterial até sentir que está tudo bem", conta Peyton, 33 anos. "E isso é muito debilitante. Cheguei a cancelar planos porque não estava gostando dos meus sinais vitais". Ao longo de três semanas em novembro, Peyton não conseguiu sair de casa, convencida de que estava tendo um ataque cardíaco. Por fim, ela foi para o pronto-socorro. Não havia nada de errado.
"Não é só alguém meio tenso com a própria saúde - é um medo persistente e muitas vezes avassalador de que algo esteja errado, mesmo depois de ouvir dos médicos que os resultados dos exames estão normais", ressalta Joe Whittington, médico de pronto-socorro e criador de conteúdo para o TikTok, por e-mail. "Pode virar um ciclo mental difícil de romper".
A ansiedade relacionada à saúde não se refere apenas a temer pela própria saúde, mas também a algo que afeta o bem-estar emocional, os relacionamentos e as finanças, de acordo com especialistas e pessoas que sofrem com o problema.
Embora muitas pessoas possam sentir ansiedade em relação à saúde, diz Simone Saunders, terapeuta especializada em traumas, é preciso se perguntar: "Isso está atrapalhando sua vida cotidiana" a ponto de causar sofrimento e tomar um tempo considerável? Essa pergunta pode ajudar a determinar se suas preocupações com a saúde estão sérias demais". Pessoas com ansiedade em relação à saúde, nota ela, têm uma preocupação constante - além de ficarem sempre pesquisando seus sintomas online e marcando consultas médicas.
"No nível mais extremo, a pessoa vai toda hora a médicos diferentes, solicita exames várias vezes seguidas, a horas a fio pesquisando sintomas no Google e analisando o próprio corpo", explica Whittington. Mas também pode ser simplesmente alguém que fala dos sintomas com frequência, evita certas atividades por medo de lesões ou doenças ou entra em crise ao sentir uma dor de cabeça ou cólica estomacal.
"Nem sempre é algo visível, mas é sempre pesado", diz ele.
"Não sei o que vou fazer financeiramente" 1n3lb
Embora um estudo recente sobre o custo da ansiedade relacionada à saúde estime que o valor chegue a cerca de US$ 2.500 (aproximadamente R$ 12.500) por ano para quem vive nos Estados Unidos, Peyton estima ter gastado pelo menos US$ 18.000 (cerca de R$ 90.000) nos últimos nove anos com o problema, embora suas consultas médicas tenham sido totalmente cobertas pelo plano de saúde, sem coparticipação.
Ela conta que gastou cerca de US$ 3.000 (aproximadamente R$ 15.000) em equipamentos de saúde para uso doméstico, e os dias perdidos no trabalho provavelmente lhe custaram pelo menos US$ 2.500 (cerca de R$ 12.500).
O restante, ela calcula, veio de diversos objetos para distraí-la ou acalmar seus pensamentos ansiosos - como cobertores especiais ou suplementos naturais, além de pilhas ou aparelhos de reposição para medidores de pressão arterial, oxímetros de pulso (para medir os níveis de oxigênio no sangue) e termômetros.
E em breve o seguro de Peyton vai terminar, pois seu empregador está migrando para um plano que não cobrirá suas inúmeras visitas ao pronto-socorro, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas, ultrassons e consultas médicas.
"Não sei o que vou fazer financeiramente. Vai ficar impossível", avalia ela, presumindo que vai acabar se endividando.
Peter Ruppert, 28 anos, acredita que suas finanças também foram bastante afetadas, apesar do o gratuito à saúde no Reino Unido, onde mora. Seu maior medo é o mesmo de Peyton - ter um ataque cardíaco -, o que o levou a pagar por consultas caras com cardiologistas e vários exames cardíacos, que podem custar cerca de US$ 400 cada (cerca de R$ 2.000).
Ruppert, que trabalha como estrategista de conteúdo e compartilha no Instagram com o perfil anxiety_fitness, sente que não tem escolha, apesar do impacto financeiro. "Você sente que precisa fazer essas coisas todas, senão vai morrer", conta ele. Ruppert também foi diagnosticado com transtorno de ansiedade por doenças e buscou tratamento de saúde mental, que, segundo ele, tem melhorado seu quadro.
Ruby Thomas, criadora de conteúdo também no Reino Unido, estima ter gasto bem mais de US$ 2.600 (algo em torno de R$ 13.000) com sua ansiedade em relação à saúde - valor que seria ainda mais alto se ela não tivesse o à saúde gratuita. Mas em várias ocasiões ela optou por médicos particulares e mais caros só para se tranquilizar - como os mais de US$ 900 (cerca de R$ 4.500) que gastou em uma mamografia recentemente. Depois do diagnóstico oficial de ansiedade em relação à saúde, ela tem feito terapia para ajudar - o que adiciona outros US$ 50 (aproximadamente R$ 250) por semana à sua conta.
"Desde o início do ano, esta é a primeira semana em que não vou ao médico", comenta Ruby, 28 anos.
Situações como a dela podem ser um "pesadelo financeiro", diz Whittington. "Estamos falando de consultas médicas sucessivas, exames desnecessários, contas de pronto-socorro, consultas com especialistas - tudo isso se acumulando rapidamente. E, para algumas pessoas, isso também afeta sua capacidade de manter um emprego estável, porque estão sempre faltando ao trabalho ou ansiosas demais para ter um bom desempenho". Tanto Peyton quanto Ruppert disseram que já faltaram ao trabalho por causa de seus medos.
Relacionamentos tensos 321x4b
Depois que Ruby encontrou um caroço na boca recentemente, ela ou as férias inteiras em pânico, sem conseguir se divertir. "Para mim, a parte mais difícil é que estou sempre ausente", diz, acrescentando que sua ansiedade com a saúde é a única coisa que gera brigas em seus relacionamentos.
"Se uma pessoa do relacionamento tem ansiedade com a saúde e a outra não, a pessoa que não tem fica impaciente, exasperada ou farta com a situação", explica Greene.
"O que mais me deixou triste foi o impacto na minha família", acrescenta Ruby, explicando que sua mãe é enfermeira e, embora seja muito paciente, até ela tem dificuldade em tranquilizá-la.
"Já consultei médicos várias vezes e ainda não me sinto segura, e é aí que você se sente meio desesperada, porque você fica, tipo: 'Bem, se nem o médico me faz sentir melhor, não tem mais o que fazer'", conta.
As comemorações são as mais difíceis, afirma Ruby.
"Os dias de Natal são os mais tristes porque meu cérebro fica me dizendo: 'Este é o seu último Natal. Aniversários também são um gatilho, porque você acha que vai ser o seu último", conta. "Você quase sente que não tem permissão para se divertir porque precisa estar sempre atenta".
Ruppert disse que sente que perdeu os 20 anos por causa da ansiedade com a saúde, muitas vezes cancelando compromissos com amigos por medo de ficar doente ou de algo ruim acontecer com ele. "Perco muitas oportunidades", declara.
Dicas para lidar com a ansiedade relacionada à saúde 4hd4z
Os psicólogos consideram a ansiedade relacionada à saúde "um problema bastante tratável", garante Greene. O padrão de tratamento é a terapia cognitivo-comportamental (TCC).
A Associação Americana de Ansiedade e Depressão afirma que a TCC se concentra em nossa cognição, ou seja, na maneira como pensamos, e em nossos comportamentos, ou seja, na maneira como agimos.
Nesses casos, a TCC visa mudar a maneira como as pessoas com ansiedade relacionada à saúde atribuem significado às situações. Por exemplo: se alguém tem medo de que tontura signifique câncer no cérebro, a TCC pode ajudar a pessoa a entender que sua ansiedade está enraizada no significado que atribuiu a esse sentimento, mas não necessariamente está enraizada na realidade.
Embora Greene enfatize que nunca descarta os medos dos pacientes em relação à saúde, que podem ser muito válidos, a TCC pode ajudar alguém a superar medos, corrigindo pensamentos irracionais e mudando os comportamentos que deles decorrem, ensinando a abordar situações de ansiedade de forma diferente e a lidar com a ansiedade e a incerteza.
Embora os especialistas concordem que a TCC é a melhor maneira de controlar os sintomas, também existem alguns métodos que alguém com ansiedade em relação à saúde pode experimentar por conta própria. Greene, por exemplo, sugere limitar a busca de sintomas online, o que pode amplificar a ansiedade.
Whittington, por sua vez, sugere encontrar um médico de confiança e construir um relacionamento, já que ficar pulando de opinião em opinião "muitas vezes alimenta a ansiedade". Ele também sugere praticar técnicas de aterramento, como respiração profunda - ou até mesmo técnicas de distração, como jogar água fria no rosto para reaquecer o sistema nervoso - e exercícios, até mesmo uma caminhada rápida, para ajudar a queimar a energia da ansiedade.
Simone sugere tentar não se isolar com suas preocupações. "Quanto mais abertos e honestos pudermos ser com os outros, mais apoio teremos", defende ela.
Por fim, reforça Whittington, seja gentil consigo mesmo. "Não é uma questão de ser fraco ou dramático - é um problema real, e você não está sozinho", conclui. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU
