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Dengue: circulação alternada de sorotipos mantém o total de casos elevado 4gx2n

2025 é o terceiro ano seguido com mais de 1 milhão de registros suspeitos da doença 2z3i38

20 mai 2025 - 17h12
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No fim de fevereiro, a estudante Dayane Machado, que faz doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), começou a sentir os primeiros sintomas: dor de cabeça e na região atrás dos olhos, além de febre. No dia seguinte, foi a vez do marido, com dores no corpo, indisposição e temperatura elevada. O diagnóstico chegou em pouco tempo, após a realização dos exames: ambos estavam com dengue. Com uma filha de 2 anos, o casal precisou se revezar no cuidado da criança por quase duas semanas, enquanto ava pela recuperação, que exigia idas frequentes ao hospital para monitoramento e hidratação. 5o3n6y

A família mora em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, uma das cidades brasileiras mais afetadas pela doença na epidemia deste ano. Até meados de abril, o município de 231 mil habitantes, situado a 560 quilômetros a noroeste da capital, contabilizava 15.473 casos prováveis de dengue e 19 óbitos, segundo o de Monitoramento das Arboviroses do Ministério da Saúde. Presidente Prudente, assim como São José do Rio Preto e várias outras cidades do noroeste paulista, integrou a lista de 80 municípios com mais de 100 mil habitantes e alta transmissão de dengue selecionados pelo Ministério da Saúde para receber apoio da Força Nacional do SUS, com a criação de centros de hidratação e leitos temporários para aliviar a sobrecarga causada pela doença no sistema de saúde público local.

O ano de 2025 é o nono em uma década e meia - e o terceiro seguido - em que o total de casos prováveis de dengue no país supera a marca de 1 milhão. Dados da série histórica do Ministério da Saúde iniciada em 2000 sugerem que a doença tem um comportamento cíclico: um ano com número elevado de casos costuma ser seguido de outros em que a frequência da doença cai de modo acentuado, provavelmente porque uma proporção grande da população se torna imune ao sorotipo do vírus em circulação em determinado momento.

Nos últimos tempos, porém, parece não estar sendo assim. Em 2025, havia 1,23 milhão de casos suspeitos registrados até o início de maio. É uma queda importante (de 81,3%) em relação ao anterior. O ano de 2024, no entanto, foi um recordista histórico. Houve 6,6 milhões de casos prováveis de dengue, além de 6.264 óbitos confirmados - outros 416 estão em investigação. Mesmo com a redução, o total de 2025 ainda se mantém próximo do de 2022, quando o país teve 1,42 milhão de casos, e de 2023, com 1,65 milhão.

Uma possível explicação para a frequência de casos se manter em patamar tão elevado é a presença simultânea no país dos quatro sorotipos do vírus (DENV-1, DENV-2, DENV-3 e DENV-4), situação chamada pelos especialistas de hiperendêmica. No caso brasileiro, porém, as quatro variantes circulam de maneira alternada nas diferentes regiões. Como o vírus de cada sorotipo guarda variações genéticas e estruturais importantes em relação aos outros, a resposta imunológica gerada contra um deles não necessariamente impede a infecção pelas demais. Além disso, infecções sucessivas por sorotipos diferentes favorecem a ocorrência da dengue grave, antes chamada de hemorrágica, e de mortes.

Com dificuldade de conter a disseminação dos mosquitos transmissores do vírus, cujo principal vetor é o Aedes aegypti, encontrado em todo o país, o Brasil tem servido de palco para uma dança de sorotipos.

Dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Datasus ados em maio pela equipe de Pesquisa FAPESP mostram que, nos últimos 12 anos, o DENV-1 foi o sorotipo predominante, responsável por mais da metade dos casos, em pelo menos dois momentos: de 2014 a 2017 e de 2021 a 2024. Entre um período e outro, ele foi superado pelo sorotipo DENV-2, que voltou a prevalecer neste ano. O sorotipo 4, responsável por até 20% dos casos há mais de uma década, submergiu há alguns anos. A partir de 2024, o DENV-3, que andava sumido, reapareceu e agora é o segundo mais frequente.

São José do Rio Preto, município de 470 mil habitantes localizado a 440 quilômetros de São Paulo, está em uma região do estado em que a doença se tornou endêmica e testemunha há um bom tempo essa substituição de variantes. O médico e virologista Maurício Lacerda Nogueira e sua equipe na Faculdade de Medicina de São José Rio Preto (Famerp) monitoram há quase duas décadas, por meio de testes genéticos, as variantes do vírus que circulam na região, o que permite antecipar potenciais epidemias e orientar ações de saúde pública.

No final de 2023, os pesquisadores da Famerp e colaboradores do Departamento de Vigilância Epidemiológica de São José do Rio Preto começaram a notar o aumento de casos de dengue provocado pelo sorotipo 3 no noroeste do estado. Depois de sequenciar o genoma desses vírus, o grupo de Rio Preto comparou o perfil genético deles com o de variantes DENV-3 de outras partes do mundo. O sorotipo é semelhante ao que circulou um pouco antes no Caribe e na Flórida, no sul dos Estados Unidos, concluíram os pesquisadores, de acordo com artigo publicado em janeiro no Journal of Clinical Virology.

"Vivemos em um mundo globalizado, com uma dinâmica de transmissão viral complexa", explica Lacerda. "O vírus do sorotipo 3 provavelmente saiu do Caribe, ou pelos Estados Unidos e chegou ao interior de São Paulo, onde está causando uma epidemia importante. É possível que nos próximos dois anos se espalhe pelo País."

Antes de 2023, os últimos surtos associados ao DENV-3 - considerado o sorotipo mais virulento, com maior potencial de causar formas graves da doença - haviam ocorrido entre 2003 e 2008, período em que foi o mais prevalente no país. O crescimento recente no número de casos provocados por esse sorotipo na América do Sul, em especial no Brasil, levou a Organização Pan-americana da Saúde (Opas) a emitir em fevereiro deste ano um alerta recomendando aos países que aprimorassem a capacidade de realizar o diagnóstico precoce e o tratamento oportuno, a fim de evitar as formas graves da doença e de reduzir o número de mortes.

A introdução ou o aumento da circulação de um sorotipo distinto do que predominava em uma região quase sempre provoca uma elevação importante no número e na gravidade dos casos. "O padrão de alternância dos sorotipos pode influenciar a severidade dos quadros clínicos", explica a médica infectologista Cássia Estofolete, do Hospital de Base de São José do Rio Preto, coautora do estudo publicado no Journal of Clinical Virology. "No fim de 2022, tivemos muitos casos do sorotipo 1 na região de São José do Rio Preto e agora estamos vendo a chegada do 3. Quem tem menos de 17 anos provavelmente nunca teve contato com o DENV-3. As pessoas dessa faixa etária têm uma resposta imunológica muito robusta, que pode gerar inflamações mais intensas. Como os sinais da dengue decorrem dessa resposta, elas podem desenvolver quadros mais graves da doença", conta a médica.

Assim como em 2024, o País aparentemente a este ano por um mosaico de surtos regionais causados por sorotipos distintos do vírus.

"O sorotipo que circulou na região metropolitana de São Paulo em 2024, por exemplo, não era o mesmo que estava em Belo Horizonte ou no interior paulista", relata Nogueira. "Em 2025, o cenário permanece fragmentado. Há uma epidemia de dengue tipo 3 no noroeste do estado de São Paulo, enquanto outras regiões registram circulação dos sorotipos 2 e 4. São epidemias diferentes, com perfis distintos, mas que acontecem simultaneamente", complementa o virologista.

"O fator que mais contribui para a dimensão de um surto é o número de pessoas suscetíveis à infeção, ou seja, que nunca tiveram contato com determinado sorotipo, e não a existência de mosquito e a circulação do vírus na área", comenta a médica veterinária e epidemiologista Andrea von Zuben, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), que dirigiu o Departamento de Vigilância em Saúde (Devisa) de Campinas de 2017 a 2024. "Se já houve um número alto de infecções pelo sorotipo 1 em uma população e ele continuar circulando, dificilmente causará uma epidemia de grande porte. Mas, se essa população for exposta a um sorotipo diferente, cresce o risco de muita gente adoecer ao mesmo tempo, sobrecarregando as unidades básicas de saúde, os prontos-socorros e os hospitais."

O padrão irregular de distribuição dos sorotipos do vírus deixa vastas regiões do País, algumas delas com grande concentração populacional, como a Nordeste e a Sul, suscetíveis a epidemias expressivas nos próximos anos. Esse quadro sombrio emerge de estimativas publicadas em maio na revista The Lancet Regional Health - Americas pelo físico Rafael Lopes, que faz pós-doutorado na Universidade Yale, nos Estados Unidos, e pelo epidemiologista Leonardo Bastos, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no Rio de Janeiro.

Partindo do total de casos registrados e da distribuição dos sorotipos em cada município brasileiro de 2015 a 2024, a dupla calculou a proporção de pessoas em cada localidade que permanecia suscetível a infecções por um sorotipo distinto e reuniu tudo em um gráfico indicando o risco de surto para as diferentes regiões do país. As regiões Centro-Oeste, Sudeste e parte da Sul apresentam probabilidade um pouco mais baixa de enfrentar surtos causados pelos vírus DENV-1 e DENV-2 nos próximos anos, uma vez que essas variantes circularam amplamente pelo país na última década.

Praticamente todo o Brasil, porém, continua suscetível a epidemias disparadas pelos sorotipos 3 e 4, com exceção do noroeste de São Paulo e dos estados de Amapá e Roraima, onde o DENV-3 circulou mais. "A principal contribuição dessa análise é mostrar que ainda há risco de grandes epidemias e a dengue não é uma doença que se distribui de forma homogênea no Brasil", conta Lopes.

Para Von Zuben, que não participou dos estudos, projeções, como essa, são importantes para aprimorar a comunicação de risco e o planejamento para os próximos verões, quando a frequência da doença aumenta. "Essas informações ajudam a organizar a assistência, reforçar a rede de saúde e orientar prefeitos e secretários na alocação de pessoal e equipamentos", explica.

Ela afirma, porém, que isso só funciona se houver um plano de contingência bem definido e a participação ativa da população.

Na casa de Dayane Machado, apresentada no início deste texto, a família reforçou os cuidados para prevenir novas infecções. Além das janelas, que já eram teladas, instalaram telas também nas portas, compraram mosquiteiros e intensificaram o uso de repelentes. "Temos medo de pegar de novo, mas, sobretudo, não queremos que nossa filha adoeça", comenta. "Conseguimos diminuir bastante a quantidade de mosquitos circulando dentro de casa, mas ainda há muitos no prédio e na vizinhança, que é cheia de terrenos baldios."

Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.

Estadão
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