Script = https://s1.trrsf.com/update-1747831508/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

'Mesmo quando você perde um filho ou esposa, nada o isenta da responsabilidade de ser feliz' 1k3l1u

Vencedor do Prêmio Pulitzer, o romancista norte-americano Richard Ford fala à BBC News Mundo sobre os Estados Unidos, sobre o saudosismo e o delicado equilíbrio entre felicidade e tristeza. 4d63f

21 mai 2025 - 19h38
Compartilhar
Exibir comentários
Richard Ford nasceu no Mississippi, nos Estados Unidos, em 1944
Richard Ford nasceu no Mississippi, nos Estados Unidos, em 1944
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

O escritor norte-americano Richard Ford não se incomoda em ser descrito como um escritor político, embora os Estados Unidos sejam apenas o pano de fundo em que os personagens de seus romances se movimentam. 5ue5j

"Tudo o que acontece na vida privada, mesmo em pequena escala, reflete algo que acontece na esfera pública", disse ele à BBC News Mundo (serviço de notícias em espanhol da BBC), falando a partir de Montana, nos EUA, e revelando que seu próximo livro será um ensaio sobre escrita política.

Nascido em Jackson, no Mississippi, em 1944, Ford é uma figura incontestável na literatura, parte da tradição do grande romance americano do século 20.

Por meio de suas histórias, ele se dedica a encontrar alguma esperança racional para o futuro em meio ao lento declínio dos Estados Unidos.

Vencedor do Prêmio Pulitzer e do Prêmio PEN/Faulkner de Ficção por Independência (livro de 1996, publicado no Brasil pela editora Record em 1998) e do Prêmio Princesa das Astúrias de Literatura em 2016, ele publicou nove romances, um livro de memórias e vários contos.

Também lecionou no Williams College, em Massachusetts, e nas universidades de Princeton, Harvard, Northwestern e Michigan. É ainda membro da Academia Americana de Artes e Letras.

Frank Bascombe, seu icônico personagem fictício que apareceu pela primeira vez em O Cronista Esportivo (1986) e se tornou muito mais do que apenas o protagonista favorito de seus romances, despede-se em seu último livro, Be Mine (2024).

A BBC News Mundo falou com Ford durante o festival literário Centroamérica Cuenta, que acontece de 19 a 24 de maio na Guatemala.

Linha cinza
Linha cinza
Foto: BBC News Brasil

BBC News Mundo - Seu último romance, Be Mine, começa com a ideia de felicidade e termina da mesma forma, mesmo em momentos de grande dor para o protagonista, como a morte de um filho. Por que a felicidade?

Richard Ford - Frank Bascombe, especialmente após a morte de seu filho, Paul, está velho e bastante sozinho. Por isso que acho que, apesar de tudo, ele tenta encontrar uma maneira de ser feliz.

Falando como Richard, e não como Frank, eu diria que se trata de ter a obrigação de encontrar maneiras de fazer cada dia valer a pena, mesmo quando você perdeu muito, como um filho, sua esposa ou quando não se dá bem com sua filha.

Isso não o isenta da responsabilidade, caso você escolha assumi-la, de ser feliz neste mundo.

BBC News Mundo - Você acha que às vezes perdemos de vista essa busca?

Ford - Bem, pelo menos nos Estados Unidos, deveríamos viver livremente em busca da felicidade, mas se você olhar ao redor hoje em dia, neste país você não vê tanta liberdade, nem tanta felicidade.

Então, fiz o que a ficção faz de melhor: peguei as convenções sociais e as inverti, para que a felicidade fosse algo real, que cada um pode alcançar por si mesmo.

Em vez de andar sempre por aí com uma espécie de angústia existencial sobre a vida — uma atitude que sempre temos ao nosso alcance e é muito fácil de adotar —, talvez o que devêssemos fazer é tentar ser felizes.

Não estupidamente feliz, mas consciente e intelectualmente feliz, se possível.

Talvez seja impossível, não sei, mas em um romance, você tem a opção de ir contra as convenções.

BBC News Mundo - Sua escrita tem a capacidade incomum de combinar uma visão crítica do estado das coisas com, ao mesmo tempo, uma visão otimista. Como funciona essa combinação?

Ford - Tanto na literatura quanto na vida, a felicidade e a tristeza, os dois lados do drama, quase sempre andam de mãos dadas. E isso me parece representar a expressão mais plena da vida.

Às vezes estamos tristes e às vezes estamos felizes. Às vezes estamos tristes e rimos, às vezes estamos felizes e choramos. Essas são as coisas que fazem um bom drama, porque são estados verdadeiros que coexistem em nossa vida cotidiana.

Há uma frase do escritor e crítico literário americano Henry James que diz que não há tema mais humano do que aquele que reflete, a partir da confusão da vida, a estreita conexão entre felicidade e tristeza, entre as coisas que ajudam e as coisas que machucam.

E eu levo isso muito a sério porque acredito que o drama, que é o que move um romance dramático, é mais rico quando consegue combinar esses dois aspectos de maneiras inesperadas.

Be Mine é o último romance de Richard Ford
Be Mine é o último romance de Richard Ford
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

BBC News Mundo - No seu último romance, como em muitos dos seus livros, os Estados Unidos aparecem como pano de fundo, enquanto os personagens vivem suas vidas privadas em primeiro plano. Como você acha que a vida privada se relaciona com o que acontece lá fora?

Ford - Bem, atualmente estou escrevendo um ensaio sobre escrita política porque me considero um escritor político, mesmo que não escreva diretamente sobre política.

Acredito que tudo o que acontece na vida privada, mesmo em pequena escala, reflete algo que acontece na esfera pública.

Se você ler Aristóteles, verá que ele sempre diz que o Estado — seja ele qual for — é um reflexo da comunidade, da vida íntima daqueles que vivem em um nível imperceptível dentro dele.

Para mim, é axiomático que aquilo que falo, o que me preocupa, o que amo será encontrado em grande medida nos escalões mais altos do governo, da política e da diplomacia deste país.

O que estou tentando fazer é lembrar ao leitor que esta vida que vivemos em nossas ruas, em nossos jardins e em nossas casas tem, em última análise, uma dimensão política.

E a razão pela qual quero lembrá-lo disso é porque, dessa forma, você pode prestar mais atenção ao seu próprio comportamento. Isso o levará a entender por que você pode se sentir distante da política — embora nunca possa estar completamente afastado dela.

Porque o que cada um faz em casa se reflete na política.

A vida nos subúrbios americanos ocupa um lugar central nos romances de Ford
A vida nos subúrbios americanos ocupa um lugar central nos romances de Ford
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Mundo - Em Between Them, um belo livro de memórias, você discutiu a ideia de um Estados Unidos em declínio, contrastando com o calor de um casal, o amor de uma família, como a única coisa que parece manter as partes unidas.

Ford - Esse livro relata a época em que vivi com meus pais na dramática década de 1950, que normalmente não é considerada uma época dramática — mas no Sul [dos Estados Unidos] era, em termos raciais.

Essas tensões, as alegrias, as preocupações e os conflitos daquela sociedade também nos afetaram em pequena escala. Pensei que seria melhor escrever sobre meus pais sem entrar nessas questões sociais mais amplas.

Achei que seria melhor fazer assim, porque se eu tentasse contrastar com as tensões da história, isso acabaria esvaziando e enfraquecendo o que eu estava tentando dizer sobre eles, sobre nós: que sobrevivemos juntos, como uma pequena entidade de três, em um tempo complicado.

BBC News Mundo - O mundo íntimo é um lugar seguro em tempos complicados?

Ford - É sobre esse tema que estou escrevendo neste ensaio.

Receio que a resposta seja sim e não: sim, diariamente e em grande escala, mas não acho que possamos escapar da política agora nos Estados Unidos.

Estamos todos esgotados, mas, eventualmente, com o tempo, esse esgotamento terá que ser superado por um senso de responsabilidade cívica.

Além disso, talvez eu esteja velho, mas temo que as gerações mais jovens — e talvez até a minha, se eu viver o suficiente — tenham que se envolver na política novamente.

Between Them retrata vivência do autor com seus pais no Sul do EUA
Between Them retrata vivência do autor com seus pais no Sul do EUA
Foto: Reprodução / BBC News Brasil

BBC News Mundo - Se você olhar para os Estados Unidos, assim como outras partes do continente, parece haver uma parcela da opinião pública e política que se baseia em dogmas, em slogans, que vão contra o pensamento crítico. Isso te preocupa?

Ford - Mesmo que vivamos em tempos em que as pessoas queiram tirar a responsabilidade de pensar, elas simplesmente não conseguirão fazê-lo. Isso nunca vai funcionar.

Você pode reprimir isso por um tempo, punir isso por um tempo, mas as pessoas vão pensar. Por fim, elas olharão para o que está na frente delas e o identificarão.

Não sei, mas é difícil para mim pensar que o impulso repressivo durará muito tempo.

BBC News Mundo - Parece que se você critica algo sobre os Estados Unidos, você está contra este país...

Ford - Isso não é novidade. Já se ouviu dizer: "Ou você está conosco ou contra nós". Bem, sinto muito, mas esse não é o caso: às vezes posso ser a favor, às vezes contra.

Eu sou a favor deste país, mesmo que este país tenha todo tipo de imperfeições.

Você só precisa ser livre o suficiente para dizer: "Eu gosto deste país. Acho que vale a pena preservá-lo, mas ele precisa de ajuda, precisa melhorar".

BBC News Mundo - No início da década de 1990, você criticou muito o que mais tarde foi chamado de "cultura do cancelamento" pela esquerda. Por quê?

Ford - Há poucos anos, alguns setores da esquerda tentavam suprimir o direito dos outros de se expressarem. Em outras palavras, era o mesmo tipo de impulso repressivo, o impulso de desestimulação que normalmente associamos à direita.

Eu não gosto disso. Não gosto quando as pessoas dizem que, se você não é negro, não pode escrever sobre pessoas negras.

Também não gosto quando você diz que se você não é gay, não pode escrever sobre pessoas gays.

Minha opinião é que, se você estiver fora de um grupo, às vezes você pode ver o dentro dele com certa clareza. Você não deve se deixar silenciar.

'Talvez o que devêssemos fazer seja tentar ser felizes. Não estupidamente felizes, mas consciente e intelectualmente felizes', diz Ford
'Talvez o que devêssemos fazer seja tentar ser felizes. Não estupidamente felizes, mas consciente e intelectualmente felizes', diz Ford
Foto: Getty Images / BBC News Brasil

BBC News Mundo - Você acha que agora estamos vendo uma resposta conservadora sob o lema "anti-woke" para essas posições liberais ou de esquerda?

Ford - Não sei mais o que é woke.

Quando surgiu como uma expressão, pensei que tinha muitas coisas boas a dizer. E assim foi. Não era nada mais do que uma força positiva que basicamente dizia: "Acorde, olhe ao seu redor".

Por exemplo, se os livros estão sendo proibidos: "Acordem!"

Mas, infelizmente, como muitas vezes acontece na esquerda, toda essa posição foi tomada por pessoas de menor inteligência.

Consequentemente, a direita roubou a narrativa e sequestrou o significado da cultura progressista e atribuiu a ela todo tipo de coisas desagradáveis e malignas, quando o que estava tentando dizer era: "Acordem. Prestem atenção."

BBC News Mundo - Hoje em dia, ouvimos a ideia do ado como um "lugar melhor", algo que alguns autores chamam de "retrotopia". Um anseio por um retorno ao ado...

Ford - É por isso que o pensamento crítico é importante. É preciso olhar para o ado para ver o que realmente estava acontecendo.

Por exemplo, a Guerra Civil aconteceu por causa da escravidão. Essa é a verdade.

Agora, ouvimos as pessoas dizerem que era na verdade uma questão de economia — mas não, era uma questão de escravidão. Então, você tem que pensar por si mesmo.

Não acho que o futuro seja menos atraente que o ado.

BBC News Mundo - Por fim, você disse que seu último livro é sua despedida de Frank Bascombe, um personagem que apareceu com destaque em muitos de seus romances. Além do ensaio sobre escrita política, quais são seus próximos os?

Ford - Olha, logo depois de publicar Be Mine, eu tirei um longo tempo de folga — algo que costumo fazer, mas dessa vez demorou mais do que o normal.

Então, se eu viver o suficiente, gostaria de escrever uma pequena história em quadrinhos porque acho que todos nós precisamos aprender a rir novamente.

BBC News Brasil BBC News Brasil - Todos os direitos reservados. É proibido todo tipo de reprodução sem autorização escrita da BBC News Brasil.
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade